“Continuamos a fazer negócios, preparavam viagens e
tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que
suprime futuros, os deslocamentos e as discussões?”
(CAMUS, “A peste”, pag 18)
O país do carnaval não está nos seus melhores dias, cada vez mais e mais casos
confirmados, mais e mais covas são abertas. Não há remédios, muito menos vacinas
adequadas para conter a nova doença, a previsão para o fim da quarentena ainda não existe, e
talvez o Brasil se mantenha nela por mais uns bons meses. Em meio a morte e ao
desemprego, os brasileiros vivem uma grande instabilidade política, no qual o chefe de estado
anuncia soluções inviáveis, minimiza os riscos da doença e pressiona o fim precoce do
isolamento social.
“O deputado Marcelo Freixo (PSOL/RJ), que integra a
oposição ao governo Bolsonaro também criticou a frase:
“Empresário mais preocupado com CNPJ do que com gente.
Ministro da Saúde reclamando do uso de leitos privados por
doentes do SUS. Prefeito arriscando a vida de domésticas para
agradar a patrões. Fundador da XP desprezando mortes nas
favelas. Não é só contra o corona que estamos lutando”,
reagiu.” (EstadodeMINAS, 07/05/2020)
O deputado psolista expõe muito bem a situação, a pandemia no Brasil envolve outras
lutas além da doença. O setor empresarial está preocupado e se posiciona contra a quarentena,
a posição do Jair M. Bolsonaro favorável ao seu fim é claro e recorrente. Seu desejo em
acabar com a quarentena a qualquer custo se mostra em mais de uma declaração e
pronunciamento. Além das falas o chefe do executivo interfere abertamente nas decisões do Ministério da Saúde (MS) as mudanças de ministro e a autorização do uso de medicamentos
equivocadamente tidos como solucionadores da doença - que já matou mais de 20 mil
brasileiros em menos de 3 meses - são a prova disto.
“O uso da cloroquina fora do ambiente hospitalar representou
uma queda-de-braço entre o presidente Jair Bolsonaro e os dois últimos
ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – este
último deixou a pasta na sexta-feira 15 após menos de um mês no
cargo.” (Revista Veja, 20/05/2020)
O protocolo do MS autoriza o cidadão infectado que desejar utilizar desses
medicamentos - não comprovados pelas órgãos de Saúde - assinarem um termo de
consentimento, que deverá ter assinatura do seu médico. Tal autorização é criminosa e
irresponsável, exime o poder público de sua responsabilidade quanto a liberação do
medicamento e coloca nas mãos do médico - que fica numa saia justa com seu paciente - e do
enfermo que não tem conhecimento técnico para avaliar os riscos do tratamento.
“A maior parte dos dados divulgados ou publicados
até agora em cloroquina ou hidroxicloroquina, e as pesquisas
sobre covid-19 em geral, são imprecisas e correm um risco alto
de viés em suas estimativas de efeito. Essa é nossa
preocupação", diz o estudo. Segundo o levantamento, a
demanda massiva por evidências de tratamento para uma
doença nova como a covid-19 pode estar afetando, de modo
não intencional, a conduta dos estudos científicos. Também
pode estar afetando os processos de publicação e de revisão por
pares.” (BBC, 20/05/2020)
A notícia da BBC apresenta um compilado de resultados de pesquisa sobre os
medicamentos erroneamente tidos como “solucionadores” do COVID19, e mostram o que já
sabemos: não dá pra apressar a ciência. A interferência do presidente sobre o Ministério da
Saúde é clara e nociva, seus atos e falar geram instabilidade política, econômica e atinge
negativamente a saúde pública. O país já teve 3° ministros em 2 meses de pandemia. O
primeiro - Mandetta - é demitido em 16 de Abril, menos de um mês depois - dia 15 de maio - o seu substituto, Teich, se demite. Cinco dias após sua demissão, dia 20, no comando do atual
ministro interino muda o protocolo de tratamento de covid19 e libera um termo de
consentimento que autoriza o uso de cloroquina em pessoas contaminadas pelo vírus que
parou o mundo, mesmo tal medicamento não ter eficácia comprovada.
No meio a isto: três dias após a Teich largar o posto, Brasil sobe para o terceiro país
com mais casos de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus no mundo, cinco dias depois
sobre para o segundo lugar, o crescente aumento de casos interfere nas pesquisas e as ações
do governo interferem diretamente nas ações da população que vive com o constante medo da
morte, variando do negacionismo ao adoecimento psicológico.
Os brasileiros não sabem quais orientações devem seguir: se acreditam ou não na
necessidade de quarentena, se existe ou não medicamentos eficazes. O diagnóstico positivo
para coronavírus causa grande desespero e medo entre os infectados, dentro da sua ignorância
o paciente pode exigir o tratamento e o preenchimento do termo pelo seu médico. A
conivência do MS pode gerar mortes não de covid19, mas por problemas cardíacos
“A FDA, a Anvisa americana, alertou contra o uso de
hidroxicloroquina ou cloroquina fora do hospital ou de ensaios
clínicos por causa de "problemas de arritmia". "Não há provas
de que hidroxicloroquina e cloroquina sejam seguras ou
eficazes para tratar e prevenir a covil-19", diz comunicado do
órgão.”(BBB, 19/05)
A pressão sobre os pesquisadores é intensa e exige deles resultados numa velocidade
que não corresponde ao tempo metodológico adequado para a validação dos resultados, os
motivos para essa pressa envolvem não só a vida das pessoas, mas a economia de países e
empresários.
“A população não pode mais cair em provocações que
opõem dois valores e colocam o brasileiro para brigar.
Raciocínios pobres, argumentos rasos, metáforas incabíveis.
CNPJ na UTI? Já são mais de 8 mil CPFs perdidos, sem chance
de recuperação! Não validemos este debate lunático.” (Felipe
Santa Cruz, no twitter)
Apesar das motivações não se pode pular etapas numa pesquisa, de modo que o mais
responsável a se fazer durante a pandemia causada pelo COVID19 é seguir as orientações da
Organização mundial de Saúde (OMS), proteger a economia do país - auxilio emergencial,
redução ou isenção de cobrança das contas de água e luz - durante a quarentena e aumentar a
capacidade do Sistema Único de Saúde, assim como posteriormente a pandemia propor
medidas urbanísticas de saúde pública de modo a melhorar a qualidade de vida da população
periférica e assim melhorar a qualidade de vida de toda a população.
Raquel Rodrigueiro Camacho, estudante de psicologia da UFSJ. Estagiária do OBESC, 2020.
Comments