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Nesc

"A vida não tem idade"



Conheci a Maria no pátio do Campus Santo Antônio da UFSJ e logo ficamos muito amigas. Alguém poderia dizer que seria uma amizade improvável de se concretizar, dada as nossas diferenças: de idade, de contexto de vida e de outras coisas mais. Entretanto, tivemos uma profunda afinidade logo que nos conhecemos e a amizade floresceu.


Algumas vezes por semana, antes de ir para a aula no Campus Dom Bosco eu passava na casa dela para tomar café e conversar um pouco. Ela morava perto da rodoviária, bairro Fábricas. Como eu seguia a pé pela Leite de Castro, antes de subir o “morro” do Dom Bosco, eu passava na casa dela. Era um aconchego chegar a casa dela. Conversávamos sobre tantas coisas que as nossas aparentes diferenças se tornaram nossas principais afinidades. Nosso assunto era inesgotável.Parecia uma amizade de duas adolescentes. Ela me indagava quando eu iria me formar, para que pudesse ir a casa dela sem pressa, não tendo que ir embora por causa do horário de aula. Às vezes ela falava que eu era a filha que ela não teve e me acolhia dando conselhos e carinho. Mas logo saia desse lugar de mãe e voltava para o de amiga. Em outro momento, era eu que a aconselhava seguir a dieta prescrita pela nutricionista, mas não adiantava muito: ela era diabética, mas seu prazer era passar pela padaria e comprar todos aqueles pães e quitandas deliciosos que ficam na vitrine.


Maria era viúva, aposentada, tinha uns 60 e poucos anos, não tinha filhos, nem irmãos, os pais falecidos. Morava sozinha e não tinha família em São João del Rei. Muito comunicativa, conhecia muita gente, amiga de todos os vizinhos, fazia muitas atividades (teatro, caminhadas, banda de música, grupos de arte, era figurante em filmes e novelas da rede globo gravados em Tiradentes, todo dia pedia música nas rádios, tinha perfil ativo no facebook, redes sociais, dentre outros) e tinha uma disposição de dar inveja a qualquer jovem.


Ela realizava alguns encontros em sua casa com as “meninas da terceira idade” (como ela falava) e me convidava. Os encontros que eram durante a semana à noite, eu não podia ir por causa das aulas. Às vezes acontecia o encontro no sábado à tarde. Nesses encontros estava eu lá, junto com as “meninas da terceira idade”, ouvindo suas histórias de vida, suas conquistas e frustrações, amores do passado e planos para o futuro. Foi uma experiência única na minha vida.


As meninas da terceira idade, assim como a Maria, eram viúvas, sem filhos, sem parentes próximos, sem espaço de escuta em casa, mulheres que, de alguma forma, poderiam estar isoladas do convívio social. Mas não! Elas faziam viagens juntas, faziam festas de aniversário, festas juninas, festas de fim de ano, ginástica, pintura, dança, canto, etc. Maria e algumas colegas da terceira idade até participavam do grupo de teatro Manicômicos e da banda de Música Dom Bosco, tocando instrumentos juntos com os adolescentes!


Uma vez, Maria me contou que ela não fora sempre assim, “de bem com a vida”. Que era uma pessoa muito introvertida, muito desaminada e sem amigos. E depois que ficou viúva, tudo piorou. Foi aí que uma vizinha a convidou para participar da “terceira idade” na UFSJ (que às vezes ela chamava de Funrei), o que foi um divisor de águas em sua vida. Ela contava que depois de começar a participar do Programa, ela se abriu para a vida. Através da rede de apoio, ela construiu laços afetivos como nunca tinha conseguido. Era uma família. Ela amava participar da “terceira idade”. Animada, falava com muita empolgação dos amigos e colegas da “terceira idade”, dos professores, dos instrutores das oficinas. Era visível como se sentia grata pela oportunidade de ter essa vivência na UFSJ.


Maria criou um forte laço com a UFSJ. Não era aluna, professora ou servidora. Era uma moradora de São João del Rei, viúva, aposentada, sem família próxima e sem filhos que aproveitava com muita garra e satisfação os cursos e oficinas ofertados à comunidade e teve sua vida impactada pelo Programa de Extensão da UFSJ: “Universidade para a terceira idade”. E eu também tive minha vida tocada, pois tive muito que aprender com elas e principalmente com minha grande amiga aprendi que a vida não tem idade.


[Aline Resende. Estudante de psicologia da UFSJ, integrante do Estágio Extensionista no OBESC. 10 de julho de 2021] Diários da Educação: Série Extensão Universitária.


Fotografia de Cássia. Miudezas, 2021.


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