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Encontros lá fora


Os encontros ao longo dos quatro, cinco anos, dentro do muro do campus Dom Bosco sempre me pareceram irreais. Cercado por conceitos da psicologia social, que perpassam autonomia, consciência de classe, dar voz, ouvir a voz, entrar em contato com o saber daquele território, entre outros tantos marcadores, a pergunta que sempre ressoou em mim é “de quem para quem?”

O choque no primeiro momento que coloquei os pés para fora do campus ainda como estudante foi difícil de descrever. “Lá fora”, como colocaram muitos professores, trazia consigo a incerteza e a sensação de fraude, de não saber o que estou fazendo. A definição de síndrome do impostor. Atualmente, dois, três anos depois daquele primeiro encontro com o “lá fora” me vejo diante de um objetivo que remete a todas as minhas inseguranças enquanto me faz refletir minhas potencialidades.

Como responder “a partir da perspectiva do estudante a importância dessa ferramenta (a extensão) na formação em psicologia”? Não sei o que colocar no papel. Como expressar as diversas conversas que me fizeram compreender que a sala de aula não fornece todas as ferramentas que eu preciso sem cair no lugar comum? Saber conversar, encarar o saber que a comunidade traz em cada contato, se despir de preconcepções e se aproximar da população de uma posição que diz “estou aqui para aprender”. Todos esses pontos são citados na literatura como grandes desafios e potenciais da extensão universitária.

Na segurança do campus discutimos a escuta, a entrevista, o acolhimento e como criar vínculo, lá fora nos preocupamos em fazer certo, em passar uma boa imagem, e principalmente deixar claro para a população que a universidade é de todos, que não temos nada de especial. A universidade não é fora, os muros não podem definir o acesso e não existem para cercear nossa formação. Ao me sentir dividida entre a segurança do campus, me iludia em acreditar em uma separação entre os dois espaços. Como futura profissional a aprendizagem “em campo”, “lá fora” não pode concorrer e nem ser vista como mais ou menos do que a sala de aula, a pesquisa, afinal ouvimos o tempo todo sobre o tripé que sustenta a educação superior.

Os anos que passei restrita no campus fornecem grande contraste com a experiência semanal da extensão. Seja no ESF, nas visitas domiciliares ou nas oficinas no Fortim. Entretanto, as experiências que tive enquanto extensionista trouxeram a realização de que dentro dos muros do campus Dom Bosco também existem experiências, que não são extensão no sentido estrito, mas que foram alimentadas e possibilitadas por valores adquiridos no “lá fora”.

Atuar no mundo sem os medos e receios que afloraram nesse último trajeto de minha formação é uma ideia abstrata e impossível. É preciso substituir tais ideias com uma inquietação, inquietação esta que me mantém em movimento. Nada me preparou para estar diante de uma senhora de 70 anos que faz uso de nove medicamentos de fórmulas diferentes, mas com a mesma indicação. Nada me preparou para uma jovem, grávida, que enfrentou anos de sofrimento e sentiu ouvida pela primeira vez em muito tempo, nem para as perguntas infinitas de crianças fascinadas pelo campus Dom Bosco e para o sorriso no rosto de um senhor ao me reconhecer na rua. São diversos os momentos que me fazem agradecer as vivências que tive fora da universidade.

Aquele espaço me forneceu ferramentas imprescindíveis e hoje percebo que a extensão foi como andar de bicicletas de rodinhas, pouco a pouco as cordas são cortadas e aprendemos a atuar sozinhos. Não creio que um dia me sentirei menos ligada à educação e ao processo de formação que passei. Após anos de um câncer devastador, a experiência da universidade foi como respirar depois de muitos quilômetros debaixo d’água, no entanto, sei que essa ligação não será no sentido de restrição, e sim de impulsionar e me fazer acreditar nas possibilidades.


[Yasmin Carli. Estudante de psicologia da UFSJ, integrante do Estágio Extensionista no OBESC. 28 de junho de 2021] Diários da Educação: Série Extensão Universitária.


Fotografia de Leonardo Augusto, Belo Horizonte, 2021.


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