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Memórias do último dia




Era março de 2020. Precisamente estávamos na segunda semana do mês quando foi o último dia de aula presencial no curso de Psicologia na UFSJ. Ainda era o início. O início do primeiro semestre letivo do ano de 2020. Mas também era o fim. Início e fim. Foi o último dia antes do início de uma nova forma de viver, o “novo normal”, como dizem, ou o último dia do fim do “normal”, ou do que a gente achava normal. Pode ser o início, pode ser o fim, pode ser os dois.

Ocorre que, de fato, sendo fim de um ou começo de outro, foi o último dia de aula antes da declaração do estado de transmissão comunitária do novo coronavírus (SARS-CoV-2) pela autoridade federal em todo território nacional e da suspensão das aulas presenciais.

E neste dia eu fui à aula. Nem muito animada e nem desanimada, como no “normal” de início de semestre, tentando estar “normal”, tentando acreditar que assim seguiríamos e que esse vírus não se espalharia pelo Brasil, como um milagre. Desejando encontrar o “normal” de sempre no Campus Dom Bosco eu fui à aula. Assim era o normal para mim: aulas, professor diante de uma turma de alunos, provas, seminários, rodas de debate, cachorros entrando e saindo pelas salas de aula e uivando pelo pátio (alguns assistiam boa parte da aula), grupos de alunos sentados no chão desse mesmo pátio, fechados em círculos como um clã, cartazes, anúncios de vagas em república, propaganda de festas, protestos, exposição de trabalhos acadêmicos, fila na biblioteca, fila na copiadora, fila enorme na cantina que quando chegava a vez, tinha acabado o salgado e o intervalo, brechós de roupas e livros (eu sempre achei tão inusitado e original aquele brechó na Kombi na entrada do Campus que um dia até tirei foto com eles), barraquinhas de comida da Igreja Dom Bosco, conversas com amigos, colegas, transeuntes, aglomerações, ônibus de estudantes subindo e descendo o morro nos horários de início e final das aulas. Tem também o “vazio normal” do novo prédio. Era assim para mim.

Mas neste dia, foi diferente. Havia poucos alunos, pouca movimentação de pessoas. Os corredores e salas quase vazios, um clima tenso, nenhum grupo de pessoas na entrada, nem os cães apareceram. O “normal” não estava lá. Nem o “vazio” do novo prédio era o de sempre. Foi estranho. Não tem outra palavra para descrever o último dia de aula no início do semestre: estranho. Semblantes de indagação. Um nó na garganta. A professora da disciplina do dia decidiu não seguir com a matéria e falar sobre o que estava acontecendo. Perguntaram sobre a continuidade das aulas e ela disse que estávamos em estado de alerta, que havia possibilidade das aulas serem suspensas. Nesse momento, eu estremeci. A última aula acabou e fui para casa. De fato, no dia seguinte, a UFSJ suspendeu as aulas presenciais e assim estamos até hoje, um ano e meio depois. E nunca mais vi aquelas pessoas.

Voltaremos àquele “normal”? Ou ele estará “velho” diante do “novo normal”? Tudo pode mudar. Ficam as memórias. Insistimos em nos prender no tempo Chronos, queremos “segurança” e nos apegamos ao “normal”, mas de repente vem o tempo Kairós e muda tudo. Temos a vida cronometrada e prazos determinados, mas há coisas que acontecem sem hora marcada e sinto que não estamos prontos para isso, temos medo de mudanças. Foi assim para mim no último dia de aula.


[Aline Resende, estudante de psicologia na UFSJ, integrante do Estágio Extensionista no OBESC-NESC. Texto elaborado na disciplina optativa Memória, corpo e narrativas durante o ERE3. Diário escrito em 17 de agosto de 2021].


Fotografia: Luana Kaori Saito

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