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O ensaio cartográfico: narrativa de um olhar cuidadoso




Conhecia a cartografia como um conceito da Geografia e os territórios, para mim, eram os geográficos. Através das aulas de Psicologia Comunitária pude compreender a existência de outra cartografia: aquela que é transposta para o campo da subjetividade humana. Os territórios não são apenas físicos, também são subjetivos, afetivos, existenciais, políticos, sociais, morais, históricos e assim por diante. Aprendi sobre o que é cartografar, reconhecer os territórios subjetivos e valorizar o que se passa nos intervalos. Assim, nossos corpos habitam territórios geográficos, mas também habitam territórios existenciais.

Através da Psicologia Comunitária também adquiri mais conhecimentos sobre o ensaio como escrita acadêmica, modalidade de escrita que não é frequentemente “ensinada” e valorizada nas disciplinas de metodologia cientifica e pesquisa nos cursos de graduação: é um modo de escrita excluído do mundo acadêmico-cientifico.

Bem, percebi que sempre tive olhares cartográficos, que até então eu os denominava como olhares solitários e esquisitos. Solitários porque não tinha uma ocasião, um pretexto, um momento para compartilhá-los, oportunidade que agora se apresenta neste momento. E esquisitos porque destoam do olhar que vê a realidade através dos dispositivos apresentados tradicionalmente pelos discursos científicos. É como um lindo jardim florido: a grama que está entre as flores habita os intervalos. Sobre isso, muito me tocou a leitura da escrita de Luciano Costa (2014) . É ele que afirma que assim como a grama está entre espaços não cultivados, o cartógrafo deve se colocar nos “intervalos e nesses espaços não cultivados”.

É solitário observar a grama enquanto todos querem somente a flor. (ela tem, sim, seu devido e merecido valor). Não somos educados para olhar o mundo de um modo tão singular. E quem se atreve a fazê-lo soa dissonante. Os movimentos buscam categorizar, massificar, generalizar os sujeitos e seus corpos. É desafiador, e em alguns momentos até mesmo doloroso, observar os intervalos.

Tem momentos, sinto que é melhor calar (calar para não apanhar), ser gente que, para viver, escolhe não sangrar, mesmo rasgando o peito, como afirma Tamis em Eu, preta, pobre e crackeira. Mas, por outro lado, não lutar também dói. E dói na alma. Ademais, a habilidade de cartografar exige mesmo certa dose de esquisitice, momentos de solidão, certo descolamento da realidade dada e ao mesmo tempo se mostrar disponível às coisas que se apresentam no caminho. Compreendi com a Psicologia Comunitária que psicólogo social/comunitário tem essa missão, de ser esse cartógrafo e de se colocar nos espaços não cultivados do território existencial que habita os corpos, de preservar o olhar cartográfico e cuidadoso ao inserir-se nos espaços e no silêncio nos territórios (físicos e subjetivos) que se propõe estar.


Referências

  1. Costa, L. (2014). Cartografia: uma outra forma de pesquisar. Revista Digital do LAV, 7(2), 066-077.

  2. Tamis, P. (2014). Eu, preta, pobre e crackeira. Disponível em https://www.geledes.org.br/eu-preta-pobre-e-crackeira-por-priscila-tamis/



[Aline Resende, estudante de psicologia na UFSJ, integrante do Estágio Extensionista no OBESC-NESC. Diário de 14 de julho de 2021].


Fotografia: Creative Vix (Banco de imagens Pexels)

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