Fotografia por Kaio T Mineiro Vale
Disciplina do curso de Pedagogia da UFSJ. Primeira aula do período emergencial remoto. Rodada de apresentações. A professora de matemática agora é aluna do curso e diz se sentir angustiada enquanto aluna e professora em tempos de ensino remoto. Mãe solo que, no início da pandemia, sofreu com crises depressivas, mas, presentemente, carrega boas expectativas para estes novos tempos. Uma aluna de outra cidade, agora, fica mais tempo na casa de sua mãe e de seu pai e concebe as aulas remotas como uma válvula de escape. Outra aluna do curso precisa cursar duas disciplinas de estágio para se graduar. A monitora do curso está à disposição das professoras e da turma. Suas palavras acalmam aqueles e aquelas que iniciam a caminhada no ensino superior. Moça angustiada e com medo. O egresso do ensino médio e o ingresso no ensino superior em tempos como estes a preocupa. Muitas estão perdidas. “Como funciona o campus?” É um choque de realidade entre dois mundos que deveriam ser mais próximos. “Será que vou fazer a atividade de um jeito certo?” “Não tenho ideia de como funciona a faculdade!” O aluno do curso de Geografia é morador da moradia estudantil da UFSJ. Ele já experimentou a docência do ensino básico e público. Precarização. Hoje ele está na casa de sua mãe e de seu pai. Uma aluna diz estar só o “bagaço da laranja”, por isso não ligaria a câmera. Ela está preocupada. As aulas contribuíram para que ela pudesse sair do limbo, mas continua preocupada. Ela reconhece o desgoverno que estamos submetidos. Professora de história, ela espera que o curso a possibilite um olhar crítico para a educação. Ela se sente desgastada e sem perspectivas. Ela chora pelo contexto político educacional que vivenciamos. Ela espera encontrar fôlego... e chora novamente. O choro dela também é nosso. Chorando, ela deseja força pra todos e todas. No chat, surgem as mensagens de acolhimento e de esperança. “Os desafios são muitos.” “Vai dar tudo certo, se Deus quiser!” Uma aluna do curso de Matemática. Entra no curso querendo ser professora. Ela compartilha dos receios e das emoções da aluna que chorou primeiro. Espera contribuir com os conhecimentos e experiências que traz consigo. Ela está animada. Uma moça engravida e não consegue concluir um curso superior. Agora, na Pedagogia da UFSJ, sente-se pertencida à universidade pública. Ela tem que cuidar do filho e está feliz com o ensino remoto emergencial por fazê-la sentir-se pertencida ao espaço. Ela chorou junto com a moça que chorou primeiro. Silêncio na sala. Expectativas quebradas. Uma moça saiu de um apartamento em BH e, agora, mora em uma casa, em São João del-Rei. Pode plantar e ter bichinhos. Ela gosta de conversar e conhecer pessoas. Ela espera que tudo ocorra bem. Mais um aluno se apresenta. “Dias melhores estão por vim.” Ele torce pelo sucesso de suas amigas e de seus amigos. Silêncio na sala. O silêncio continua. Parece que um aluno perde a conexão e sai da sala. Mais alguns segundos de silêncio. A conexão volta e o aluno entra novamente. A professora escuta a sanfona tocada por alguém enquanto o silêncio reina. A moça que chorou primeiro tem uma ex-aluna como companheira de turma. Essa aluna tem expectativas grandes. Ela diz que a moça que chorou primeiro é maravilhosa. “A educação precisa muito de nós.” “A gente vai conseguir atravessar essa barreira.” Uma aluna fala, mas o áudio está baixo. Ela está sem um microfone. Não conhece a universidade e sempre faz perguntas a seus colegas, pois carrega consigo muitas dificuldades. Ela se desculpa pela quantidade de perguntas. Um aluno não tem um microfone e se apresenta pelo chat. Um pai entra pela segunda vez no curso de Pedagogia da UFSJ. Suas expectativas para a disciplina são legais. Ele diz gostar das professoras. Silêncio na sala. Um aluno fala com um cachorro ao seu lado. Não sabe até quando o cachorro ficará sem latir. Primeira vez que ele liga o microfone nas aulas. Ele gosta desse formato de aulas. Uma moça diz, no chat, que está à espera do marido. Com o marido em casa, ele fica com a criança e, assim, ela consegue se apresentar. Uma amante da área da saúde se interessa pela educação. “Você tem que fazer aquilo que vai te encaminhar.” Ela espera que tudo melhore. Silêncio na sala. O silêncio se prolonga um pouco mais. Natural de SP e já morou em BH. Trabalha com artesanato e vive na estrada. Pai solteiro que estudou junto com a filha para e ENEM. Os dois foram aprovados em universidades públicas. Viva! Ele também é morador da moradia estudantil da UFSJ. Com a pandemia, a rotina na moradia se tornou estranha. O curso está indo além de suas expectativas. Mesmo remoto, dá para sentir o calor humano. Ansioso com a disciplina: “o que sairá dessa caixinha de surpresas?” Ele não consegue desligar o microfone. Diz que ainda tem que aprender a mexer. A professora de geografia estava desanimada com a educação e parou de lecionar. Ela escolhe a pedagogia querendo encontrar mais humanidade na educação. Duas alunas se apresentam pelo chat. Enquanto conexões caem, o silêncio reina. No chat: apresentações, preocupações e receios daqueles e daquelas que estão sem câmeras, microfones ou que estão tímidos e optaram pelo não aparecimento. Perto de desistir do curso, uma aluna recupera expectativas boas que um dia foram criadas. Silêncio na sala. Ou será que a tela travou? O silêncio precisa acontecer. Às vezes, ele ocupa espaços necessários. Mãe e filha na câmera. A filha está agitada e dá um “oi”. Era a mãe que estava esperando o marido chegar. Pelo visto, ele ainda não chegou. “Quem é? O que que é?” Silêncio na sala. Enquanto isso, no chat, apresentações, expectativas, otimismos e esperanças. Silêncio na sala. Silêncio na sala e apresentações pelo chat. Silêncio na sala. Abre a câmera, fecha a câmera. Sai da reunião, entra na reunião. Ela estava ajudando sua filha na tarefa de inglês. “A universidade pública é maravilhosa.” Ela se sente agraciada. “Força na peruca.” Silêncio e chat. No chat, um aluno diz ainda estar com medo de ligar o microfone e a câmera. No chat, alunas e alunos seguem se apresentando e compartilhando otimismos, esperanças, inquietações e medos. “Podem ficar tranquilas que daqui a pouco tudo entra nos eixos.” Palavras de quem já foi caloura. “Vocês serão abraçadas por ela.” No silêncio, ouvimos a sanfona ao fundo. Alguém se alegra tocando e ouvindo música. Um forró nordestino. Silêncio. Agora, nem a sanfona ouvimos mais. As apresentações se encerram. “Quem não falou hoje pode falar semana que vem. Ou em qualquer momento que desejar. O espaço segue aberto.” Nenhum e nenhuma a menos. Ninguém fica para trás.
[Kaio T Mineiro Vale. Professor de Matemática e aluno do curso de Mestrado em Educação da UFSJ. 30 de setembro de 2020]
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