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Subjetividades no “modo espera”


Hoje estou aqui diante de um desafio e de um propósito: buscar minhas memórias sobre o meu percurso acadêmico e experiências vividas na Universidade; relacioná-las com os conceitos de ensino e extensão e, por fim, colocá-las no papel.

Sinto que o desafio para mim está justamente em colocar estas memórias, reflexões e experiências no papel falando em primeira pessoa do singular, ou seja, estou escrevendo sobre mim, sobre meus afetos, minhas questões, minhas opiniões, minhas indagações, minhas experiências e isto me causa estranheza. Explico o porquê da estranheza. É porque estou desacostumada, fiz este tipo de escrita apenas UMA vez durante toda a graduação em Psicologia. (já no final do curso, que foi na disciplina Psicologia Comunitária). Por isso, ao escrever em primeira pessoa do singular, sinto certa estranheza, como se estivesse cometendo um erro, pois este tipo de escrita é bem distante da realidade acadêmica.

Dizendo isso pode parecer que não gosto de escrever em primeira pessoa do singular ou escrever sobre mim. Não é isso, pois na adolescência eu escrevia longos diários, escrevia poesias, escrevia cartas para mim mesma no futuro (verdade! dias desses que achei uma carta que escrevi para mim no futuro, eu tinha 13 anos quando escrevi a carta), hábito que foi paulatinamente sendo esquecido e deixado de lado, em razão da demanda de outros tipos de escrita na Universidade ( e até mesmo antes de entrar na graduação, pois no ensino médio o estudo já é direcionado para aprovação no ENEM, em outras épocas, no Vestibular) e na vida profissional. E assim, as nossas subjetividades vão sendo colocadas no “modo espera”. Espera passar no ENEM, espera passar as provas na faculdade, espera ter boas notas, espera fazer trabalhos normatizados de acordo com a norma científica, depois da graduação, espera passar em concursos, passar nas provas para exercício da profissão e assim vai.

Bem, acredito que expliquei um pouco porque sinto como um desafio, como algo estranho, escrever sobre MINHAS memórias sobre o MEU percurso acadêmico e experiências vividas na Universidade. Como disse, na vida acadêmica e profissional, o hábito de escrever sobre nós e de fazer um texto em primeira pessoa do singular é paulatinamente esquecido (ou talvez muitos nunca fizeram). Na graduação e na pós-graduação, na maioria dos cursos, este hábito não existe, eis que impera o raciocínio técnico científico. E isto se torna algo normal não falar de si, até que em algum momento da vida, algo acontece e precisamos falar de nós, dos nossos anseios, dos nossos medos, dos nossos sonhos, dos nossos desejos. E assim, não tendo um espaço de escuta, somos orientados a procurar um psicólogo para tratar isso, porque não é normal falar das nossas subjetividades, o normal é ser o profissional que faz todas as tarefas laborais delineadas pelo sistema capitalista, que trabalha o dia todo, que acata o chefe/empregador até que sua força de trabalho seja totalmente exaurida, que é um consumidor afoito e voraz, que assiste TV e participa das redes sociais, que faz o que todo mundo faz. E, não raro, o psicólogo é visto como o profissional que vai fazer o sujeito voltar a essa “normalidade”.

Enfim, agora me pergunto até onde o sistema de ensino superior no Brasil (graduação e pós graduação) replica este modo de vida, impõe padrões, métodos e formas de fazer que aniquilam a subjetividade, a fala e o processo de individuação do sujeito. E neste ponto, eu penso na importância da existência da Extensão nas Universidades.


[Aline Resende. Estudante de psicologia da UFSJ, integrante do Estágio Extensionista no OBESC. 24 de junho de 2021] Diários da educação: Série Extensão Universitária.


Fotografia de João Lino. Estudante de medicina na UFSJ.

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