Fotografia: Antonello Veneri.
Muitos dos nossos brasileiros de bem, esperançosos da ética e dos bons costumes, acreditam que o novo coronavírus veio para “depurar” a alma humana. Um verdadeiro esquadrão da positividade acredita que, depois da pandemia, o ser humano será mais generoso, solidário, cooperativo e tudo mais que deveria ter sido durante essa eternidade de séculos, e não foi.
Ao que parece, as atrocidades das cruzadas, duas grandes guerras mundiais, várias pandemias como as gripes; espanhola (1918-1919); asiática (1957-1958) e suína (com surto em 1976 e outro em 2009) e outras tantas epidemias como a AIDS (a partir de 1980) e o vírus Ebola, 2018 (com mais de 2.266 mortos, somente na República Democrática do Congo, segundo dados no site do jornal Folha de São Paulo), não foram suficientes para refrear a ambição humana. Mas agora é definitivo.
A lição está dada e todos irão reconhecer que o planeta, doravante, pertencerá aos seres de bom coração, aos purificados pela grande devastação de almas.
A propósito, não custa lembrar que essa resolução é somente para os que sobreviverem à pandemia. Porque, os milhares de mortos infectados, não estão catalogados nessa “onda purificadora”. Cada alma sucumbida ao novo coronavírus deverá prestar conta dos seus atos como qualquer mortal, onde quer que esteja. Mas os vivos, esses sim, terão uma segunda oportunidade para se redimirem das suas más condutas e poderão viver uma vida de paz e harmonia aqui na Terra.
O contraponto dessa corrente do bem, que anseia por um mundo melhor e mais justo, está justamente na gênese, na origem humana. Para uma grande parcela, o homem já nasce com a tendência para o pecado. O mal sempre se manifesta com atrativos. Isso justifica os vários padrões de perdão: materno, conjugal, judicial, hipotecário e o perdão divino, que atende a todos, para que nenhuma alma se perca.
Nessa prosa ideológica, imaginemos por exemplo o que se passava na cabeça de cada um dos presentes naquela reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgada com consentimento do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Aquela sugestão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de aproveitar o foco da mídia nos números da pandemia, para “ir passando a boiada”, referindo-se à aprovação das reformas na área do meio ambiente de uma forma mais rápida é no mínimo inescrupulosa.
Uma flagrante atitude de escárnio com o bem-estar da nação. E outras falas nessa mesma reunião, denominada pelas “más línguas” de “discurso do ódio”, leva-nos a concluir que tudo é uma questão de interesses pessoais, de poder pelo poder, e nunca uma questão de políticas públicas como prioridade. Até aqui, tudo normal.
Como se não bastassem os vários exemplos de descaso oferecidos à saúde da população, rumbam na mídia as investigações da Polícia Federal dando conta de que governadores, prefeitos, secretários e assessores estariam envolvidos nas fraudes dos respiradores artificiais, comprados a preço de ouro, mas considerados como sucatas. Os hospitais de campanha, que não ficaram prontos conforme prometido pelas autoridades, são um caso à parte. Ainda tem muito pano pra manga nesse assunto. Enquanto a população é dizimada pelo novo coronavírus, nossos políticos mantêm os seus velhos esquemas de corrupção. Sinceramente, “e daí” que não haja hospitais aparelhados, pessoal qualificado e insumos suficientes? Quem tiver um bom plano de saúde fica livre disso aí.
Todavia, não sejamos injustos citando somente as ilustres figuras públicas. Vamos refletir sobre o que passa na mente dos simples mortais. Empresários, individualmente ou organizados, gritam pelo retorno da produção e reabertura do comércio. Declaram-se preocupados com a alta taxa de desemprego e o perigo de desabastecimento do mercado. Será que é isso mesmo? Haveria algum outro interesse obscuro? Será que esses empresários estão preocupados em fornecer o equipamento de proteção individual (EPI) adequado, para que os empregados exerçam suas funções com segurança?
E o povão que vai “junto e misturado” às manifestações que surgem aqui e acolá? Isolamento social e máscaras de proteção pra quê? O povo ainda não percebeu o valor da vida e da força de trabalho. É o “gado”, a boiada inteira a serviço do capital.
E pra não encerrar por aqui, temos a questão do auxílio emergencial. Segundo declarações do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, o órgão está apurando algo em torno de 160 mil prováveis irregularidades no pagamento do auxílio emergencial. Nessa lista temos cidadãos que não moram no país, sócios de empresas, servidores públicos, detentos (beneficiados com auxílio reclusão) e até foragidos da justiça. Alguns pervertidos divulgam vídeos nas redes sociais, de festas e churrascos patrocinados com o auxílio recebido indevidamente. Enquanto isso, muitos dos que realmente necessitavam do auxílio, que estão desempregados e passando dificuldades com suas famílias, nem conseguiram se cadastrar.
Mas nem tudo está perdido. Temos muitos bons exemplos, é claro. Voluntários que percorrem as ruas, dia ou noite, em busca dos desabrigados, descamisados, desamparados. São os heróis das pessoas excluídas pelo sistema, o velho sistema capitalista, que leva as pessoas a perderem o pouco da dignidade que possuíam.
Mas não é disso que queremos falar. Ainda resta uma esperança. A expectativa é de que a vida pós-pandemia retorne ao normal, com uma essência nova, transformada, diferente de tudo isso que estamos acostumados a ver. Ansiamos por um mundo menos competitivo, mais justo e igualitário. E que Deus nos ajude, porque está complicado.
Autor: Victor Thiuvitu Vianna - Estudante de Jornalismo da UFSJ e produziu este texto sob a orientação do professor Paulo Henrique Caetano.
Atividade extra-curricular promovida pelo Curso de Comunicação Social - Jornalismo, pelo Observatório da Saúde Coletiva e pelo Site Notícias Gerais.
Originalmente publicado no Notícias Gerais, em 13/06/2020. Disponível em:
Comments