"Avó e neta", de Fernando Campos Maia. Mais obras do artista podem ser encontradas no Facebook: Atelier Virtual - Fernando Campos Maia ou no Instagram: @fernandocamposmaia".
Nesses cinco anos morando fora para fazer faculdade minha rotina ao chegar a minha cidade natal sempre foi a mesma: descer do ônibus na rodoviária ou no trevo que dá acesso à cidade, caminhar por alguns minutos e parar na casa da minha avó. Durante esse percurso sempre encontrava muitas pessoas na rua, cumprimentava, abraçava e ao chegar ao meu destino final minha avó estava lá, pronta para me abraçar e para tomarmos uma xícara de café juntas. Dessa vez tudo mudou, saí apressada de São João del Rei, pois havia um decreto da prefeitura de Campo Belo que fecharia a rodoviária e instalaria uma barreira sanitária na entrada da cidade. Ao chegar, as ruas estavam quase desertas e as poucas pessoas que vi caminhavam com passos apressados e olhares assustados.
Minha tia, que é trabalhadora da área da saúde, decidiu que levaria minha avó para ficar em sua casa, já que um tio que mora com ela havia viajado há pouco tempo para São Paulo e teria que cumprir a quarentena. Passei em frente à casa da minha avó e tudo se encontrava fechado. Ela que tem 75 anos e histórico de diabetes e hipertensão, nunca gostou de sair de casa, ali está toda a sua vida, sua rotina, suas amigas, o quintal que tanto gosta e de certa forma sua liberdade. A velhice é uma etapa da vida cheia de perdas, há pouco ela havia perdido o esposo, já não é capaz mais de realizar muitas das atividades que fazia e isso a deixa com o humor deprimido. Ao mesmo tempo é uma etapa cheia de ganhos, de experiências, de amizades e nos nossos encontros para tomar café eu sempre provocava para que ela pudesse pensar sobre isso. Entretanto, dessa vez não poderíamos tomar café juntas. Telefonei para ela e ela me relatou “Lorena, não consigo mais assistir televisão e aqui eu só tenho isso para fazer”. As notícias que passavam frequentemente falando sobre as pessoas do grupo de risco, que são mais suscetíveis a não se recuperarem do vírus, estavam já a fazendo adoecer. Em conversas com outras pessoas, principalmente jovens, ouvi “se a gente pegar não tem perigo”, “só morre velho”. Fiquei pensando no quanto essas frases são insensíveis e pouco humanas e me questionei o quanto algumas pessoas se sentem no direito de dizer quais vidas importam. O próprio presidente da República endossa esse discurso, dizendo é só uma “gripezinha” e para os jovens e saudáveis saírem para trabalhar. A economia importa. As vidas não.
O prefeito da minha cidade, que também é médico, colocou um carro de som para circular pelas ruas anunciando um “caminhão de cata-véio”, que em tom de brincadeira dizia para os idosos irem para as suas casas, não se aglomerarem nas ruas e preservarem sua saúde. Quando ouvi dei risada, e ao mesmo tempo lembrei da minha avó e das nossas conversas e só desejei que esse momento pudesse passar para que eu possa vê-la novamente.
[Lorena Mendes, estudante de psicologia da UFSJ, 25 de março de 2020]
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