Olho para o espelho. Não vejo meu reflexo, pois de onde estou, outros pontos são abarcados. É a janela, a roupa lá fora no varal, a cama que tem me dado aconchego, os gatinhos que enriquecem os dias. Volto o olhar novamente para minha tela. Minhas reflexões em tempos de pandemia têm permeado essa paralisia frenética. As coisas parecem tão empacadas, e simultaneamente, tão aceleradas. Mas acho que esse ir-e-vir já estava ali, a gente é que estava bem embolado nele e não se deu conta.
Fiz questão de arrumar a cama hoje. Quando era criança, achava uma besteira arrumá-la. Falava para minha mãe, “mas à noite eu não vou dormir nela de novo? Não faz sentido arrumar”. Há um tempo, nem questiono mais. Já é automático fazer o processo de arrumação. Tem sido automático também, depois do café e de algumas atividades da casa, abrir o notebook e tentar fazer o que der ali. Às vezes acho que estou fazendo certas coisas só para não perceber a nostalgia que sinto de outras atividades, saudade de alguns vínculos, para não pensar no caos, na morte, e por consequência, na vida.
Semana passada comentei com um amigo, que o desafio de escrever tem sido lidar com a tristeza do tom da minha escrita. Tenho dificuldade em aceitar e externar as infelicidades da rotina. E sei que não estou sozinha, que outras pessoas também querem, como eu, se apresentarem sólidas, sempre, sempre. Um medo de fragilidade que a gente tem, não é? Corremos, corremos, corremos, para dar de cara com ela de novo: a fragilidade. Se existem diferentes forças na natureza - força gravitacional, força elétrica, força magnética, e etc. - por que eu não posso criar uma força para a minha natureza? Força afetual, talvez. Admitir e escrever sobre o que me afeta, mesmo as tristezas, me inspira a me fortalecer. Nessa força que não precisa ser necessariamente rígida, a que fazem a gente acreditar que é a certa. Uma força fluida?
E não vai ter resposta para essa pergunta, viver parece ser sobre conviver com o mal-entendido. E vai ter tristeza, para raiar o dia e lavar a alma. Nem só de riso se faz potência.
[Júlia de Carvalho Bedaque, graduada em Psicologia pela UFSJ. Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, 23 de fevereiro de 2021].
Fotografia: Liana Ferraz. Esse e outros trabalhos estão disponíveis em seu Instagram: @lianaferraz.
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