Fotografia de Bia Domingues, 2020.
Quando dizem que estranhamente o isolamento aproxima, não estão mentindo. No meio da quarentena, depois de um término de um relacionamento longo, isolada em casa, precisava reconstruir algumas coisas. O violão parado ali naquele canto do quarto há nem sei quanto tempo me chamou: precisava retomar algumas coisas na minha vida. Bem, com duas cordas arrebentadas, as outras velhas, parecia ironia. Nunca pego nesse violão a não ser parar tirar a poeira, e agora que decido nesse rompante retomar a prática, a única loja de instrumentos musicais da cidade está fechada devido à quarentena. Comentando com uma colega que havia compartilhado o disco “Minas” de Milton Nascimento que, por coincidência – ou sincronicidade –, eu estava ouvindo naquele mesmo dia, comentei também que estava querendo voltar a tocar violão, mas das seis cordas só tinha quatro. Quando ouvimos dizer que as mulheres se sustentam pra continuar perseguindo suas paixões é a mais pura verdade. Ela tinha todo o encordoamento de que eu precisava sobrando na casa dela, e me emprestaria pra que no final da quarentena, quando as lojas estivessem abertas, eu lhe comprasse outro. Para não precisarmos nos encontrar, mantendo nossa segurança, combinamos que ela deixasse o pacotinho com as cordas em algum lugar no portão de casa. Eu que nunca tinha ido à casa dela, encontro a casa com a ajuda do Google Maps, e eis que vejo ali a cena mais bonita e inesperada dessa quarentena (pelo menos pra mim): o pacotinho de corda escondido num buraco entre o muro e o portão. Volto pra casa desviando das pessoas que insistem em agir como se nada estivesse acontecendo. Dois metros de distância, você sabe. Álcool em gel nas mãos, limpando tudo direitinho quando chego em casa. Coisas assim dão aquele alento de que a gente precisa, que vai além do que as palavras conseguem captar. Em tempos de fé cega e faca amolada, descobri que minha arma é o que a memória guarda, e que as coisas mudam, e que tudo é pequeno. Nada será como antes, isso é certo. Algumas coisas hão de ser melhores.
[Ana Luiza Morais, estudante de psicologia, 20 de abril de 2020]
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