Fotografia de Bia Domingues, 2020.
Me sinto numa tempestade de areia, mas nunca tive no deserto. Dizem que tem cheiro de infância. Só sei que precisamos nos esconder, e achei que seria simples como pique-esconde. Lá fora agora, parece mais perigoso. Contudo, tem gente que não acha, e eu não entendo bem os motivos. Tenho muito medo da ignorância, aquela cheia de certezas, quero dizer. Tenho evitado os números que também se acreditam certos. Número de dias, de mortes, de mensagens não lidas, de contas para pagar. Dizem que a numerologia ajuda a pensar o futuro, e provavelmente é isso que está me causando tonturas ultimamente. Acho que é a areia que vejo da janela, que ora venta e ora acumula, e a cidade desaparece. Escuto apenas sirenes. Sim, tenho medo de adoecer. Tenho medo de contaminar e de perder. Tenho medo de acabar a comida. De não gostar mais de sair para ir ao meu trabalho. Tenho medo de sair do esconderijo depois da tempestade e não ter forças para inventar outros modos de existir.
[Cássia Batista, professora universitária, 8 de maio, 2020].
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