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Nesc

33. Um tempo que vai

Atualizado: 11 de set. de 2020


Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.jpeg.

Vai ser efêmero na contagem dos dias, vai se perder nas páginas dos livros de História, nos registros e cadernos de poesia. Vai escapar entre uma conversa e outra e surgir como um assunto qualquer.

Vai aparecer nos artigos científicos, vão ser números na economia em planilhas para consulta, outrora esquecidos. Vai ser como vento que passou e assanhou os cabelos que foram cortados ou pintados pelas próprias mãos. São lembranças esquecidas dos soluços abafados no travesseiro de dormir.

Serão receitas de vitaminas, antibióticos, psicoterápicos e certidões de óbitos pelas gavetas das casas. Ficarão nas lápides, nos divórcios, nos reencontros e nas mensagens trocadas.

Pensaremos cada vez menos, falaremos quase nada sobre o tempo pandêmico. A palavra isolamento cairá no esquecimento. Passarão os fatos, as provas, os atos e os boatos.

Lavaremos mais as mãos e teremos na bolsa um álcool e mal saberemos porquê. "Houve um tempo" será a expressão que usaremos para falar desse momento e aparecerá nas histórias contadas pelos pescadores e nas filas de banco. O trabalho remoto vai ser esquecido. Os cursos on-line constarão no currículo e nos arquivos do computador e ficarão por lá também.

Haverá um “houve um tempo” do vírus que nos fez ficar em casa e usar máscaras. Tempo que agora é o hoje, que não existe a cura, nem remédios, nem vacina. Houve outros tempos como esse que se perderam nas páginas. Muito se sabe dos fatos e quase nada do material humano cheio de emoções e sensações que pouco aparecem nos livros. O que se sentiu? Como amou em tempos de crise? O que pouco se sabe é o que muito se fica.

No nosso baú de memórias afetivas não se escreve e tampouco se define, mas nos constitui. E de tudo que se esvai no tempo, vai ficar vivo e se eternizar o que sentimos e o quanto nos conectamos conosco, com o outro do lado e com o outro do outro lado da tela. Vai ficar a comida caseira, a chamada de vídeo demorada e a dança na sala. Só vai perdurar o que sentiu.

Em tempos de caos, só o sentir é revolucionário. É maré mansa.


[Juliana Reis Silva. Graduada em Pedagogia. Discente do Mestrado em Educação- UFAL]

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