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Nesc

9. Sobre o tempo, meu tempo


Fotografia de Bia Domingues, 2020.


Flor-de-seda

Maio. Aqui floresce cravos, rosas e crisântemos. Lá, revoluções. Na rua, seja outono ou primavera, dançam ao redor da árvore com a deusa da fertilidade. China, França. Praga! Espalhou para muitos cantos. Aqui, nasce Beth e Dalva. Lá morre, Joana, a bruxa. São tantas rainhas dos raios de sol. Noivas, putas, viúvas, mães, trabalhadoras. Só não esqueça, o tempo não espera. Ventos do meio. Agora não há como voltar. Borges nem eu. Minha cabeça carrega fios brancos que parecem cansados de se enrolar. E podem cair. Outros maios cadentes virão. Santo rosário, nos proteja!


diariamente

Todo dia parece ontem. Café amargo de manhã e de tarde. Pensamentos circulares. Vejo todos em quadrados. De novo. A tela triste me encara na cadeira amanhã também. Cérebro eletrônico não chora, nem eu. Hoje a impaciência me preencheu que quase derramou. Falta tempo quando fico presa, sem ver um pouco lá na frente. Cadê Manoel com seu esticador de horizontes? Por aqui, tá em falta instrumentos para enfrentar a pandemia, tipo abraço gordo. Mais uma vez, a mesma história. Informes. Por agora, conservação parece paz. Cansei, repetidamente.


Mais de quarenta

Eu gosto de ouvir comprido só quando é olho no olho, e no sofá. Tem dia que a chatice leva toda a minha paciência. Escorre como enxurrada. Gosto mais da hora do café da tarde quando acaba o sono. Na maior parte das vezes, gosto do papo direto, sem curvas. Você sabe para quê complicar as palavras? Sei que deixar o excesso no meio, por aí, em qualquer lugar, não atrapalha. Mas tenho medo de ventar, e de tão leve, não plantar mais. Às vezes, é preciso fios ou lápis para fixar ou pelo menos, apoiar. Ou uma rede, para descansar os pés, próximos ao chão, por favor. Mas cada um tem uma perna que dita o passo. E não adianta correr na frente. É preciso treinar a espera.


[Cássia Batista, professora, 18 de maio, 2020]


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