Fotografia de Richard Neves, músico em Tiradentes, MG.
Bom, meu nome é Elisa. Elisa Pereira, tenho mais de 40 anos e sou assistente social. Em relação aos objetivos dos registros por narrativa, penso funcionar como um registro dessas vivências, pessoais e profissionais em tempos de pandemia. Uma elaboração de material individual e coletivo para futuros estudos dessa realidade única, que estamos vivendo. E também um instrumento terapêutico. Acho que ninguém saíra ileso dessa pandemia, mas cada um tem suas especificidades. E nós que estamos atuando, que não paramos de trabalhar presencialmente apresentam uma especificidade bem característica. Então acho bem importante estar fazendo esses registros como uma forma de nos comunicar com o mundo ou registrar alguns sentimentos que geralmente não conseguimos compartilhar com ninguém, mas fazendo essa narrativa e esse registro também é uma forma terapêutica proporciona alguns alívios de sofrimentos ou até para uma reflexão da nossa conduta. Bem, quando iniciou a questão da pandemia, eu estava de férias do trabalho. Eu tinha viajado com a minha mãe. Quando retornei, começou os burburinhos do isolamento social, que já havia muitos casos de Covid-19 no Brasil, e tal. Assim que foi decretado, de fato, o isolamento social, eu comecei a tentar fazer alguns contatos com gerente da Unidade, com o pessoal da Secretaria de Saúde, até porque eu achei pelo que estava circulando no noticiário, que as minhas férias seriam suspensas e teria que retornar antes, porque estavam convocando os profissionais de saúde seria necessário reorganizar o serviço, e eu fiquei na expectativa de ser chamada antes e fiquei tentando informações, mas tive muita dificuldade em ter um retorno. A fala da gerente era de que não tinha notícia concreta da Secretaria de Saúde, tentei contato direto com as pessoas que são nossas referências na Secretaria de Saúde, tive muita dificuldade de retorno, demoraram assim dias para responder uma mensagem de Whatsapp. Então fiquei assim, muito... muito perdida, no início, às vezes me sentindo culpada por estar em casa achando que deveria estar no serviço contribuindo de alguma forma, mas enfim, como eu não tive uma resposta mais concreta e não tive retorno, eu permaneci nas férias e voltei no final de março.
Retornando à rotina do meu trabalho fui me aproximando da questão em relação ao Covid-19, questão dos cuidados, uso ou não de EPI’s a questão do álcool em gel, do atendimento. Ainda estava tudo muito confuso, essa primeira semana foi mais tumultuada, percebi que todos na unidade também estavam muito perdidos, promovi uma conversa com a enfermeira e a gerente e elaboramos um protocolo interno uma vez que não havia uma orientação direta da Secretaria de Saúde. Recebemos algumas orientações do Estado, através de Portarias e decretos junto com esse material elaboramos outro protocolo interno, de como seria nosso atendimento , prevendo os cuidados necessários, que manter distância, de atender com a porta aberta, de usar o álcool em gel, as máscaras... ainda não tava definido essa questão do uso da máscara e também a gente não tinha material disponível para todos usarem, e assim a gente começou... A cada dia pensava-se em ações de procedimentos de proteção tanto para os funcionários quanto para os pacientes. E caso chegasse pacientes com sintomas respiratórios, como agir, apesar de não ser porta de entrada COVID-19 e sintomas respiratórios., como mantivemos os atendimentos, sempre há o risco. Conversamos com a nossa equipe aqui e chegamos em algumas conclusões de como deveríamos proceder. Fizemos uma reunião com a equipe, respeitando o distanciamento e segurança de todos, criamos um grupo de Whatsapp para formalizar as informações, ter um canal oficial de informação da nossa Unidade... porque cada um falava uma coisa: um mandava uma mensagem, outro mandava outra, tem aqueles que são muito alarmistas, tem aqueles que são muito displicentes e que não tem as informações corretas, mas divulgam, então pra tentar filtrar as informações e padronizar também, criamos esse canal de comunicação oficial. Incluímos todos os funcionários, toda a equipe multidisciplinar inclusive os médicos. Enfim, todas essas ações proporcionaram uma melhora na organização do nosso serviço. Mas é isso, não foi fácil. O começo de tudo, para nós profissionais da saúde, foi bem desesperador e intenso. Acho que só agora falando sobre isso, pude perceber o quão angustiante foi.
Narrativa construída em colaboração. O diálogo entre Elisa Pereira (nome fictício) e Daniela Marras Souza é a base do texto. Elisa é assistente social na região das vertentes de Minas Gerais e Daniela Marras Dias de Souza é estudante de psicologia da UFSJ/OBESC.
Como citar: PEREIRA, Elisa; SOUZA, Daniela. As primeiras semanas da pandemia, data de publicação. Disponível em: https://saudecoletivasjdr.wixsite.com/meusite/post/ [colocar endereço exato]
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