Sim, a data já estava marcada. Dia 28 de Junho de 2020. Eu e Renan (meu marido... até
então noivo!) combinamos essa data. A despeito da astúcia de todo e qualquer fenômeno, essa
era (ou deveria ser) a data do nosso casamento. É claro que um imprevisto aqui ou uma urgência acolá poderiam me pegar de surpresa..., mas uma pandemia? Quer dizer, o tal do vírus
conseguiu, em menos de um ano, estragar meu sonho? É claro que não! O casamento ainda está
de pé, digo, nós vamos casar ano que vem, até porque, até lá, não haverá mais pandemia. A
desilusão estava regada por medo e apreensão pelos quais eu jamais imaginara passar.
Reitero a frase inicial: Sim! A data já estava marcada. Dia 20 de Junho de 2021. Há de ser nessa data. “Mas Mariana, mesmo com a pandemia, número reduzido de convidados, tempo de festa encurtado... vai mesmo casar?” Sim, vou me casar. Talvez seja um mecanismo de defesa ou o embasamento na máxima popular “todo mundo, menos eu”, mas nós nunca acreditamos que vamos contrair o vírus, por mais que ele esteja em todos os lugares (digo, todos mesmo, até nos noticiários). Eu pensava assim, ainda que adotasse os protocolos básicos de segurança. Confesso que esse pensamento começou a mudar quando o grande dia estava por chegar. Meu pai contraiu o vírus. Embora vacinados, não estamos imunes. A insegurança dobrava a esquina naquele momento, mas nada estava perdido. Obviamente, eu queria entrar com meu pai no casamento (bastava que ele mantivesse a distância dos – poucos- convidados da festa, até por que todos estariam de máscara). O resquício de indecisão que me acompanhava uma semana antes do meu casamento foi competentemente guarnecido com outra notícia: minha sogra contraíra o vírus. Ali, senti medo. Por Deus, esperei um ano para poder casar... e agora isso? Embora minhas conversas com Renan fossem sólidas e diretas (sim, nós vamos nos casar), o fantasma da angústia se fazia presente.
Gostaria de esclarecer algo: eu não fiz o teste para covid antes do casamento. Acho que Deus, naquela semana, tinha reservado dosagens paulatinas de insegurança e afligimento para
mim. Não bastasse a situação do meu pai e da mãe do meu marido, os sintomas desfilaram, com maestria, pelo meu corpo na quinta-feira (17). Febre e dor brilhavam com rara intensidade. Na sexta (18), o cansaço me prendeu à cama (escolher os decorativos da festa? Sem condição
alguma). Eu não conseguia me levantar. No sábado, um dia antes do casamento, a tosse se fez
presente em tom peremptório. Tomei muitos remédios - a automedicação é necessária (?) em
tempos de histeria – e pedi para que toda e qualquer entidade celestial me fizesse parar de tossir. Não tinha como eu me casar com essa tosse! A reza teve seu valor...
Naquele domingo (20) ensolarado, não senti febre, dor ou qualquer sintoma. Não tossi uma vez sequer. Estava pronta para casar. E casei. E foi perfeito! Aqui cabe uma ressalva: a ignorância é uma bênção...? Interrogo, sim, pois eu e meu marido resolvemos fazer o teste no dia seguinte. O casamento e a festa, embora realizados conforme os protocolos, envolvem muitas pessoas (a aglomeração foi inevitável). Nessa altura do campeonato, há de se imaginar qual seria o resultado. Apenas eu contraí o vírus (Renan já tinha pego meses atrás). Deus! Não pode ser verdade. Mesmo assintomática, a dor psicológica se exalava por todos os cantos. Algumas ligações marcaram aquela semana: as primeiras, de maior urgência, foram para os convidados da festa. Pedi para que todos realizassem o teste. A última, mais dolorosa, foi para a agência de viagem – sim, a lua de mel teria de ser adiada.
Às vezes, Deus nos envia uma mensagem de maneira pontual. Não tive muitas dores após o resultado do teste (é bem verdade que a semana não foi a mais florida possível) e nenhum familiar ou amigo que estava na festa sofreu sérios danos com a doença (mesmo que alguns tenham contraído o vírus), mas tudo tem um motivo. Creio que o medo em si, a preensão gerada pela situação, o desconforto e toda a inquietação que dominaram meus pensamentos foram muito mais intensos que as dores físicas. Esse breve período em que me vi nas sombras da insegurança serve, hoje, como reflexão e entendimento sobre a vida. Não sei se devemos compreendê-la, mas apenas vivê-la. Faço das palavras de Drummond as minhas: “Se procurar bem, você acaba encontrando. Não há explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida”.
[Narrativa construída em colaboração. O diálogo entre Mariana e João Pedro é a base do Texto. Mariana Torezan Crepaldi é engenheira civil autônoma e João Pedro Cuzzullin é estudante de Medicina da UFSJ. Americana, 10 de novembro de 2021]. Narrativas de cuidado: Série Eu tive Covid.
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