Querida prima Valentina,
Amanhã oficialmente você faz 3 anos, apesar de ontem já ter comemorado bebendo 30 litros de chopp.
Queria te contar um pouco da pandemia, você é bem pequena e com certeza sua percepção do que tá acontecendo também é bem real.
Estamos em quarentena desde março. No começo você sentiu muita falta da escola, colocava uniforme e pedia pra ir brincar com seus amigos.
Eu também senti muita falta da faculdade, ainda estamos sem aulas presenciais. Sabia que no começo eu achei que ia durar até maio? Comecei a quarentena dia 23 de março, no aniversário da minha mãe. Estimei que fosse acabar 25 de maio.
Mas aqui no Brasil tudo tem sido muito confuso. Nosso presidente é um cara que não sabe o que tá fazendo, é um genocida.
O roteiro da nossa história está confuso, desde o início da pandemia os casos por aqui nunca estabilizaram.
Eu pude ficar em casa desde o começo, eu tava achando que era tipo uma prova de resistência, se todo mundo conseguisse se segurar em casa a gente passava por isso.
Mas não é bem assim né? Não é todo mundo que pode ficar em casa porque o sustento tá na rua. O sustento, o perigo, tudo junto.
Depois eu vi que não ia dar mais pra ficar contando os dias de quarentena até a prova de resistência acabar. Eu já tava cansada de riscar os dias na parede, de fazer chamada de vídeo preocupada com as notícias, de só ouvir falar em covid e só pensar nele o tempo inteiro.
Daí eu percebi que a gente ia ter que viver a vida, fazer nossas coisas dentro de casa. A noção de tempo mudou muito também. Eu não sei dizer quanto tempo durou cada fase, tudo parece uma eternidade. Nesse momento fiquei muito produtiva e comprei muitas coisas online também.
Aprendi muitas coisas novas, ganhei um ukulele da Sandrinha e tô aprendendo ainda, mas é muito bom aprender a tocar um instrumento.
Também fiz terapia online, recomendo, me ajudou muito.
Bom, descobri que nada substitui as pessoas. Ainda que tenha sido mais fácil fazer algumas coisas online, descobri que não é porque é online que as coisas são práticas.
Olha, ao longo do tempo senti alguns medos, fiquei insegura, senti solidão e também tive conquistas, amor, risadas, afetos nas horas que mais precisei, senti segurança em um abraço, em um carinho.
A gente que é humano é frágil e forte demais, tudo demais. É assim que é, não é contraditório, é só ambíguo e tá tudo bem ser 2 né?
A gente só tem que ter força pra não duvidar, nem da força nem da fragilidade.
Temos que abraçá-las e sentir que são nossas aliadas.
Ninguém dá conta sozinho, a gente precisa dos outros e eles da gente. Dessa forma vamos nos cuidando.
Nunca imaginamos viver algo assim e espero não viver novamente.
Aguardo o momento que você vai ler essa carta, aqui tem muitas coisas que não foram ditas, não dá pra escrever tudo e essa carta precisa ter um fim.
Só te digo que hoje estamos mais sensíveis às coisas pequenas.
Se estiver lendo, obrigada por sua atenção até aqui.
Abraços,
Laura.
[Laura Barbosa, estudante de História na UFSJ. Narrativa desenvolvida durante a disciplina Memória, corpo e narrativas no ERE3. São João del Rei, 17 de agosto de 2021].
Fotografia: Arquivo pessoal da autora (E se a vida se tornar uma barra, que seja de chocolate!)
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