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Nesc

Desabafo de uma agente comunitária de saúde

Charge por Guto Respi. Mais trabalhos podem ser encontrados em seu instagram

(@gutorespi) ou site (gutorespi.com)


Queria começar esse texto dizendo que as coisas já estão bem, que tudo já passou, mas infelizmente essa narrativa não começa assim. Há dois anos, trabalho como agente comunitária de saúde e faço parte do programa Estratégia Saúde da Família. Atualmente tenho passado por uma experiência única e desafiadora em minha vida, nunca imaginei que iria passar por tal situação: uma pandemia.

A pandemia chegou do nada e modificou completamente minha rotina de trabalho, aliás, mudou toda a minha vida. No início da pandemia, nós, profissionais de saúde, não fomos orientados ou preparados sobre o que fazer ou como agir, tivemos que ir atrás de informações. Além disso, a máscara e o álcool 70% passaram a ser meus fiéis companheiros de trabalho. O trabalho aumentou, não somente devido a pandemia, pois além do nosso serviço, tivemos que dar conta do serviço dos funcionários que estão afastados.

Para quem conhece de perto o trabalho dos agentes comunitários de saúde, sabe que nosso trabalho tem como base o vínculo que criamos com as famílias que visitamos, pois somos o elo entre a população e o posto de saúde e nesse momento fomos orientados a não entrar nas casas, mantendo assim determinado distanciamento. Essa distância tem sido péssima, ainda mais num momento em que o contato humano teve seu valor reconhecido (nunca havia imaginado a importância de um abraço em nossas vidas, e sentido tanta falta), mas apesar de tudo isso, tenho me sentido útil em levar um pouco de aconchego e tranquilidade para as famílias que visito, além de facilitar com exames, receitas e outras necessidades, como por exemplo, apenas ouvir seus desabafos, angústias e queixas. Quando os pacientes me questionam até quando viveremos dessa forma ou quando essa situação acabará, respondo que em breve superaremos isso, mas por dentro esse também tem sido o meu questionamento, que tento deixar não transparecer, para tranquilizá-los.

No momento, o maior desafio que tenho enfrentado tem sido lidar com a ansiedade, de não saber o que vai acontecer, como as coisas ficarão, até quando ficaremos nessa situação. Lidar com a incerteza para quem sofre de ansiedade é o maior desafio. Apesar da ansiedade ter tomado conta de mim, tenho me sentido mais útil para a população que visito, pois tento resolver as coisas ao máximo para que não precisem ir ao posto. Psicologicamente falando, não me sinto preparada para tal situação, mas acredito que o trabalho, apesar de exaustivo e até mesmo estressante, tem me dado forças, pois se não estivesse trabalhando estaria pior. Ocupar a cabeça trabalhando faz bem.

Temos o costume de planejar ou imaginar o nosso futuro, como estaremos daqui algum tempo, mas a situação atual me fez parar de pensar no futuro, a focar mais no hoje, a pensar no que posso fazer agora por mim e pelo outro. Além disso, a fé tem me fortalecido bastante, tenho orado e até promessa já fiz. Aos poucos tenho percebido que o importante nesse momento tem sido encontrar um jeito de estar bem, a fazer o bem e, principalmente, se cuidar.


[Narrativa construída em colaboração. O diálogo entre Luana Matos e Daniela Marras Dias de Souza é a base do texto. Luana (nome fictício) é Agente Comunitária de Saúde na região das vertentes de Minas Gerais e Daniela Marras é estudante de psicologia da UFSJ, integrante do OBESC e participante do núcleo de estudos NEGAH. Escrita em 13 de agosto de 2020]


Como citar: MATOS, Luana e SOUZA, Daniela. Desabafo de uma agente comunitária de saúde, publicado em 23 de setembro de 2020. Disponível em:(https://saudecoletivasjdr.wixsite.com/meusite/post/desabafo-de-uma-agente-comunit%C3%A1ria-de-sa%C3%BAde).




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