Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.jpeg.
2020 está sendo um ano engraçado, igual aquelas cenas de uma pessoa que escorrega de um piso molhado e todo mundo cai em gargalhadas. Mas o que ninguém fala é que o tombo foi de uma velhinha de 63 anos, que teve o fêmur quebrado e que agora está em cima de uma cama. Acho que já passei por vários estágios durante esse ano; de chorar com as notícias, surtar por conta das aulas suspensas, acompanhar vinte mil lives sobre o SUS e sobre as implicações da pandemia na população, assistir todas as temporadas de Sex and the City de madrugada comendo um pacote de coxinha congelada esquentada no micro-ondas. E só quem já comeu coxinha de supermercado esquentada no micro-ondas sabe o quão ruim e triste essa experiência é. Teve alguns momentos durante a quarentena, que me enganava tentando seguir uma rotina de exercícios na garagem do prédio, mas depois de me alongar, dar duas voltas e fazer três polichinelos, me sentia completamente exausto. Não pelo cansaço físico, mas pela completa falta de perspectiva e de sentido ao fazer tais atividades. Eu moro há pouco tempo nesse prédio, somos eu, minha mãe e meu dois irmãos. Trata-se de um lugar bem simples e a garagem na verdade não é uma garagem, mas sim um estacionamento. Eu não fazia a menor ideia que existia essa diferença, talvez faça muito sentido para o pessoal da arquitetura e da engenharia civil, ou talvez também não faça. Isso significa, pelo menos na minha cabeça, que o andar do estacionamento é aberto. No entanto, o mais importante é saber que em algumas partes desse estacionamento é possível ver o céu e sentir o sol batendo no seu rosto. Isso é bom, porque em um apartamento de 50 metros quadrados em que 4 pessoas moram, qualquer raio de sol faz a gente se sentir mais livre, mesmo tendo que descer quatro andares de escadas para atingir tal liberdade. Nos momentos em que eu descia para fazer exercícios, ou pelo menos fingir que estava fazendo, e quando eu me deparava com meu completo esgotamento, eu deitava nesse estacionamento, sentia os raios solares me aquecerem e olhava para o pouco de céu que me era permitido ver. Eu estava literalmente vendo o céu do fundo do poço - deitado, ainda por cima. Peço que leiam essa última frase de maneira literal e figurada, pois as duas se encaixam. Engraçado é sinônimo de cômico, mas pra mim são duas palavras com pesos completamente diferentes. Eu errei eu falar que a cena da senhora caindo e quebrando o fêmur era engraçada, pois o engraçado é bom, é feliz e contagiante. Acho que na verdade se trata de uma cena cômica, uma vez que o cômico é ridículo, tem tristeza e dor. Essa nova rotina vivida por mim na quarentena, esse novo normal que estão tentando nos impor, ainda faltam-me palavras para tentar descrever meus sentimento nesse enorme faz-de-contas. Talvez tudo isso fosse cômico em 2019, mas em 2020 não tem nada de cômico, só é trágico mesmo. A maior tristeza que a pandemia nos trouxe foi de tentar negar sentimentos e buscar substituir a enorme tristeza que paira sobre nós com a comicidade existente nos atos cotidianos que a pandemia nos impôs. Uma parte da nossa humanidade morreu neste ano e nem tivemos a oportunidade de fazer um velório. É Aquele ditado, né? "Seria cômico se não fosse trágico".
[Vinícius Santos Rodrigues, estudante de medicina da UFSJ, 5 de novembro de 2020]
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