Linha sobre folha, de Maria Clara Mendes, acadêmica da UFSJ. Mais trabalhos podem ser encontrados em seu ateliê virtual: @piquiborda.
Olha, sou ACS há quase 20 anos. Sou casada e tenho dois filhos. No início do programa de ESF, a ACS tinha uma autonomia maior para desenvolver suas atividades em sua micro área. Podíamos participar de oficinas ou fazer oficinas por lá, lógico com intuito educacional e era uma forma de agregar mais pessoas nas atividades e trocar idéias com a comunidade, respeitando a cultura e pensamento de cada um. Não precisávamos bater ponto, isso dificultou muito. Minha micro área é longe do posto, então as vezes tenho que voltar na casa da pessoas 2 vezes, por que ficou partida a conversa. Já aconteceu de ter que sair correndo da casa do usuário para bater ponto na unidade. Hoje o serviço do ACS aumentou muito, fazemos muito trabalho burocrático, preenchimento de fichas, alimentação do sistema, cadastros, troca de cadastro, atualização de cadastro. Ficamos na recepção para organizar o atendimento e as consultas no posto, entregamos receitas, exames e marcamos consulta para grupos especiais (Idosos, Gestantes, Puérperas, puericultura). Fora as visitas domiciliares, grupos de hipertensão e diabetes, gestantes, fumantes, visita acompanhada com enfermeira em domiciliados e acamados. Com a pandemia dificultou ainda mais para os ACS, vários adoeceram e estão afastados, então além de fazer nossa obrigação dentro da área temos que fazer de quem está afastado também. A população ainda não acostumou com a visita peridomiciliar. É que por causa da pandemia precisamos manter uma distância mínima de 1m e meio das pessoas. Então essas visitas estão sendo feitas em lugares que tenha espaço e uma ventilação boa. Tipo horta, na frente da casa, só por segurança mesmo. Mas é muito comum na minha área, por ser de vulnerabilidade social, terem casas pequenas com 3 a 5 cômodos com 5, 6, 7 pessoas por residência. Então eles estão acostumados com a gente muito próximo, gostam de abraçar (principalmente os mais velhos têm um carinho muito grande). Andamos na área orientando sobre a importância do isolamento, muitos acreditam que vai ser só uma gripezinha mesmo, não usam máscara, continuam fazendo as coisas como se nada tivesse acontecendo. No princípio não deram para os ACS EPIs tivemos que comprar máscaras de pano. Mas depois que perceberam a gravidade do problema, devido ao aumento de casos na área de abrangência, foram disponibilizados EPIs para todos, isso nos deu uma maior segurança para desenvolver nossas atividades. Fazemos nossa parte, tentamos fazer o melhor, mas muito complicado manter o mesmo humor que tínhamos antes, até mesmo por causa da quantidade de restrições. E não temos um pingo de valorização pela secretaria de saúde, em momento algum não nos deram segurança para estar trabalhando nessa pandemia. Isso é um grande desafio. Aguardando ansiosamente a vacina, sei que teremos que nos habituar com várias formas preventivas da doença, acredito que o álcool em gel e máscara vão ser nossos acessórios diários por muito anos. Mas creio que conseguiremos passa essa pandemia, e que em um futuro próximo retornar às atividades de forma normal em todos os aspectos.
[Narrativa construída em colaboração. O diálogo entre Kátia Santos e Beatriz Gomes Dalla Justina é a base do texto. Katia Santos (nome fictício) é Agente Comunitária de Saúde na região das vertentes de Minas Gerais e Beatriz Gomes é estudante de medicina da UFSJ, integrante do OBESC e participante do PET- Saúde. Escrita em 20 de agosto de 2020]
Como citar: SANTOS, Kátia; JUSTINA, Beatriz. O aumento gradual do trabalho da ACS que estoura na pandemia, publicado em 16 de setembro de 2020. Disponível em: https://saudecoletivasjdr.wixsite.com/meusite/post/o-aumento-gradual-do-trabalho-da-acs-que-estoura-na-pandemia.
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