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O dia da testagem


Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.jpeg.


O despertador toca às seis e meia da manhã, acordando Vitória de um sono agitado. Mais um dia de trabalho se inicia, mas esse não é um dia qualquer, é o dia em que ela e sua equipe vão ser testadas para COVID-19 após 4 longos meses de incertezas, inseguranças. Logo ao despertar pensa na vontade de rever sua mãe, no calor do seu abraço e no som inconfundível da sua risada, mas o cuidado demanda uma série de sacrifícios e se distanciar das pessoas que amamos é um deles.


Mesmo morando sozinha há 5 anos, Vitória sempre viveu cercada de pessoas ao seu redor. Sua família materna, que reside no mesmo bairro que ela, carrega uma tradição de se unir nos seus “grandes” momentos, sejam aniversários ou datas comemorativas. Com a mudança da rotina, esses rituais familiares passaram para um outro plano, o dos encontros virtuais. No início, eram prazerosos e divertidos esses momentos, onde ela podia rever as pessoas que gostava, colocar o papo em dia e rir dos apertos que a internet impunha naquela interação. Com o tempo, conversar pelo telefone ou pelas mídias sociais já não bastava mais. Havia ali uma ânsia pelas trocas, pelo acolhimento e pelo o carinho que só o contato físico podia proporcionar.


Ao chegar no posto de saúde, seu ambiente de trabalho, Vitória se deparou com uma agitação além do normal. Os trabalhadores estavam sedentos para realizarem os testes. Era comum surgirem burburinhos na equipe a respeito de um ou outro colega de trabalho que tinha sintomas da doença ou que havia tido contato com uma pessoa contaminada, o que até então eram apenas suspeitas que alimentavam os medos e as fantasias criadas por aquelas pessoas. A pandemia impôs uma nova problemática aos profissionais de saúde: o enfrentamento de algo que não se vê. Somada ao descaso governamental e a falta de informações precisas sobre a situação da cidade, esse cenário gerou uma grande sobrecarga nos trabalhadores, colocando-os num lugar de desamparo.


Esse desamparo se reflete também na comunidade. No cotidiano do seu trabalho como agente comunitária, Vitória se depara com pessoas que questionam se o vírus é real ou criado pela mídia para manipular a população. Isso denuncia a falta de uma firmeza no que confiar, já que são difundidas muitas informações falsas e até mesmo contraditórias. Há também um desgaste com o isolamento, um movimento de flexibilização do comércio, o que acentua a angústia vivida por muitos profissionais da saúde, ao verem que as pessoas têm retornado à “normalidade” mesmo em uma fase crítica da pandemia. A sensação de não ter controle sobre o que está acontecendo é muito difícil de lidar. Parece que as pessoas foram passando por um processo de negação da doença e resignação perante ela.


Onze horas da manhã. Os profissionais se organizam em fila para serem testados. Um a um os resultados foram sendo negativos. Para Vitória, era grande alívio saber que estava seguindo os procedimentos corretamente. Por outro lado, o cuidado não deveria parar, ela sabia que ainda haveria um longo caminho pela frente.


[Narrativa ficcionada por Juliana Dela-Sávia, estudante de psicologia da UFSJ. Integrante dos projetos PET-Saúde, OBESC e ABRASUS/ABRASUAS. 11 de agosto de 2020]


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