Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.jpeg.
Nas discussões do Grupo de Trabalho, levantamos uma dúvida sobre possíveis formas de conceber o conceito de cuidado. O que seria cuidar e ser cuidado? Quais as formas de cuidado que poderia ser possível de elencar que estão ocorrendo nessa pandemia? Cuidados do cotidiano, dos profissionais de saúde, dos educadores, dos entregadores de comida. O que pode ser considerado cuidado e o que não. E porquê? Bom, muitas perguntas e poucas respostas. Buscando tecer algumas considerações sobre o que poderíamos chamar de cuidado, fiz uma breve investigação. Primeiro, fui atrás do conceito no dicionário. De acordo com o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa o significado da palavra cuidado remete à “1 aprimorado; bem-feito 2 cautela; atenção 3 zelo 4 indica advertência”. Como nós da Psicologia muito bem sabemos, a definição exposta no dicionário não condiz de maneira exata com aquilo que cada um constrói para si, a partir de suas trajetórias, vivências e fantasias acerca das possíveis representações e afetos que emergem ao pensar sobre o que é o cuidado para aquele a quem a pergunta está sendo direcionada. Por isso, trazer as narrativas pessoais torna-se tão importante. Não há uma resposta homogênea. Buscando ampliar mais um pouco os possíveis conceitos de cuidado, passei para um segundo passo desse meu breve levantamento de dados. Fui fazer uma coleta com as duas pessoas que tem estado comigo nesse tempo de pandemia, meu pai e minha mãe. E lá fui eu atrás dos dois. Minha mãe, a primeira entrevistada, encontrava-se na cozinha digitando em seu notebook. Perguntei se ela estava ocupada e me disse que não, que eu poderia falar. Olhou para mim e ficou esperando. Minha pergunta era simples: “O que é cuidado para você?”. Ao fazer a pergunta, minha mãe, de início, compreendeu a semântica da palavra cuidado com aquela que remete à “atenção, perigo” e me disse “alerta”. Parou um instante e perguntou: “ah, é cuidado de cuidar?”, e eu disse que poderia ser como ela compreendia. Ela parou, olhou para cima e retornou a responder “bom, então se for cuidado de cuidar, digo proteção”. Abaixou a cabeça e continuou a digitar no notebook. Como não estabeleci máximo e nem mínimo de palavras, deixei como fosse melhor para aquele que me respondia. Fui atrás do meu pai e lhe fiz a mesma pergunta “O que é cuidado para você?”. Estava cortando batatas no momento, quando me aproximei dele. Ao ser interrogado com a pergunta, franziu levemente a testa e me respondeu “Bom, cuidado é gostar. Os outros pela gente e nós mesmos de nós”. Anotei as respostas. Ao final dessa simples tarefa já pude perceber a utilização de palavras e sentidos distintos. Curioso pensar que não foram exatamente as mesmas respostas, mesmo se tratando de duas pessoas que convivem juntas há uns bons anos. O que pude concluir dessa minha pequena busca, foi que não havia apenas uma definição possível para o cuidado. Há diferenças, porque não somos iguais. Claro que quando estamos falando de saúde, alguns cuidados básicos são imprescindíveis à manutenção da vida humana. Pensando acerca disso, me recordei de um dos princípios do SUS que gosto muito, o conceito de Equidade. Uma concepção estratégica de tratar os desiguais de forma desigual, na busca de diminuir discrepâncias sociais marcadas por injustiças historicamente construídas e perpetuadas no país e ou para adaptar o acesso à parcela da população mais necessitada em um determinado espaço e tempo. Dessa forma, por serem sujeitos distintos, com necessidades também diferentes, há de se pensar formas de cuidado que busquem acolher aqueles que precisam de uma atenção maior naquele momento. Trazendo esses dois elementos, o da resposta que cada um cria para si sobre o cuidado e o cuidado dos profissionais de saúde ao se depararem com sujeitos diversos, penso que a base dessa palavra, que se materializa em ato, é a responsabilidade e a ética em relação ao outro e suas especificidades. Isso me mostra que não há apenas uma forma de conceber o cuidado, mas um plural. São cuidados. E para pensar sobre esses cuidados estão imbricados aspectos subjetivos, culturais, de sexo, raça e classe. O cuidado é, portanto, amplo. Talvez por isso tive tanta dificuldade em responder de maneira simples e direta a essa pergunta.
[Daniela Marras Dias de Souza. Estudante de psicologia da UFSJ, integrante do OBESC e participante do núcleo de estudos NEGAH. Escrita em 29 de junho de 2020]
Como citar: SOUZA, Daniela. Os cuidados, publicado em 04 de novembro de 2020. Disponível em: https://saudecoletiva.ufsj.edu.br/.
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