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  • Nesc

Para (des)estabilizar


Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.jpeg.


Esse ano era pra ser outra coisa. Mas quando não né? A quebra de expectativas é inevitável, é até desejável. Eu estava em Portugal, no início do meu intercâmbio. Tinha pouco mais que um mês que estava no que chamo de velho mundo. Tinha medo de não acostumar, mas tava finalmente me adaptando. Separei alguns trechos do meu diário desde que Covid-19 foi citado nele. De ponta cabeça, mas quando não foi?


13 de Março

Fiquei sem escrever esses dias porque tá um caos e tô bem triste e angustiada. Os casos de coronavírus tão aumentando tipo dez por dia, fecharam as fronteiras com Itália e Espanha, o euro tá subindo, parece que vai ficar sem aula pelo menos um mês, os supermercados estão com poucos enlatados, muito estranho. [...]

Conversei com meus pais e meu pai acha que devo voltar o quanto antes, minha mãe falou pra aguardar. No fim a decisão é minha. [...]

Com tristeza no coração eu acho que talvez seja melhor voltar. Tô pensando que aprendi demais sobre mim, revi um pouco da minha vida e espero continuar revendo. Conheci a Carol, o Fernando, a turma da filosofia e o pessoal daqui da casa, aprendi sobre o tempo.


16 de Março

Dei tchau [...] Pessoas, ah pessoas. Encontros são bonitos porque leva tempo, a gente tem que se permitir estar e ficar um pouco. [...]

O processo de fechar malas pra começar de novo é estranho, dessa vez inclusive rápido demais. Mas sei lá, cada vez que troco de casa, faço as malas, eu me acostumo mais, não como se fosse uma receita de bolo, mas um: é, eu vou jogar de novo, tem que aprender outro jogo novo e bora, vai ser difícil mas vamo. Não sei como vai ser minha vida esse semestre, tá tudo fudido e os meninos já estão sem aula em BH. Esquisita essa situação, essa doença e essas distâncias entre as pessoas.


18 de Maio

Minha mãe tem escrito sobre esses momentos de pandemia e acho que é uma ótima ideia pro futuro. Estou em quarentena desde que cheguei. Meus pais e irmão também. Estamos em meio a um caos mundial. O mundo parou. Estamos vivendo o que parecia ser o rumo com tanta tecnologia: faça tudo no conforto da sua casa. Espero que isso sirva pra pensarmos no calor dos encontros no nosso dia a dia.

Se ressaltaram as desigualdades com os trabalhadores. A farsa neoliberal de que o trabalho autônomo sem vínculos é melhor tá se mostrando, a máquina teve de parar de girar e nessa dá pra ver a fragilidade de alguns grupos e o tanto que outros não tão nem aí. [...] Nada ficou no lugar (Adriana Calcanhotto). É muito louco que em um plano individual é quase um retiro espiritual e é fácil esquecer a podridão, o sufoco das pessoas que não são privilegiadas de poder parar de trabalhar. 15 mil corpos no chão. É muito triste e é fácil esquecer, mas é fácil também surtar. Falam da solidariedade aumentar e tal mas ao mesmo tempo parece que todo mundo tem medo de todo mundo.


24 de Maio

[...] Dar tempo ao tempo. Calma. Hoje decidi ficar sem whatsapp, instagram e twitter por uma semana. Tava ficando ansiosa e culpada por não querer responder as pessoas, principalmente as que não tenho muito vínculo. [...] A gente fica querendo prolongar o que é daquele momento. Que saco. Enfim, hoje é o dia um desse experimento.


15 de Junho

Eu tô sem saco pra conversa, fico nervosa com a internet, fico ansiosa, acordo tarde e com preguiça de almoço e de faxina. Que mau humor. Me sinto insuportável, tenho vontade de fugir pra lugar nenhum. Essa vida pandêmica não é fácil. Tem dias que quero projetos, contatos, risadas e tem dias assim, que nem ficar na frente da tv agrada. [...] Tem horas que sou muito, demais, invasão de ideias e explorações. Outras queria menos, tão menos, quase nada. Eu tô cansada e fico triste por estar cansada fazendo tão pouco. Acho que me cansa as cobranças internas e delas não fujo.

espero que o tempo passe, espero que a semana acabe” - nando reis


30 de Julho

Cada vez que abro esse caderno depois de deixar repousar acho engraçado, um pouco pesado também. Eu morri várias vezes esse ano. E cada dia apareci com um conflito que quatro dias depois já era outro. O que é tempo né? As angústias tão sendo colocadas pra pensar, não tem muito pra onde fugir, é melhor experimentar.

Lendo esses trechos em conjunto parece que foi triste, mas foi nada. Aprendi pra caramba a arriscar, no fim desse negócio, nada vai ter ficado no lugar.


[Brunna Furst, estudante de psicologia da PUC Minas]

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