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Perigo Amarelo


Fotografia: Jason Leung (Banco de imagens Unsplash)


Pensei que estava muito longe, que era perigoso, mas não ia chegar até aqui. E, como o primeiro caso conhecido surgiu na China, logo apareceram ofensas associadas a isso. “Vai comer morcego e dá nisso.” No início de 2020, pessoas amarelas começaram a ser insultadas ao longo do Ocidente. Nos metrôs, nas ruas, nos supermercados: “Sai pra lá com esse coronavírus”, “Chinesa porca!”, “Volta para o seu país!”. Se aqui não é meu país, qual é? No carnaval de 2020, eu estava com medo de alguém nos bloquinhos me chamar de coronavírus ou me xingar de qualquer outra coisa relacionada a isso.

18 de março: aulas suspensas. Pandemia de fato no Brasil. Incertezas e medos tornaram-se mais intensos. Quase seis meses sem aula. Nesse período, aproveitei para estudar mais sobre a imigração japonesa ao Brasil e o processo de racialização amarela no país. Descobri que na Era Vargas havia um antiniponismo tremendo e que leis anti-imigração de asiáticos foram implementadas. Vi que éramos chamados de “Perigo Amarelo”, vistos como inassimiláveis à sociedade nacional e como ameaças à ideia eugenista de harmonia racial brasileira. Lá atrás, na década de 40, também fomos comparados a um vírus nocivo, o qual invadiria o organismo “em equilíbrio” da nação. Durante a Segunda Guerra Mundial, houve campos de concentração espalhados pelo Brasil com imigrantes japoneses, alemães e italianos. Ainda não tive coragem de perguntar para meus avós sobre o assunto.

Em março deste ano, um homem branco em Atlanta invadiu uma casa de massagem, majoritariamente composta por trabalhadoras de origem asiática, e disparou fogo. Oito pessoas morreram, seis delas eram mulheres asiáticas. A polícia descartou totalmente que o crime tenha sido motivado por questões raciais, mesmo o homem admitindo que era viciado em pornografia e que a casa de massagem despertava uma “tentação” nele. A fetichização de mulheres amarelas é real e pode chegar a isso. Vários casos de violência física contra asiáticos ocorreram nos EUA, principalmente contra idosos e mulheres. Lá, desde que a pandemia começou, os crimes de ódio contra essa população aumentaram 129%. Houve protestos denunciando essa violência e movimentos nas redes sociais usando a hashtag #StopAsianHate.

No dia do ataque em Atlanta, eu só conseguia chorar. Consegui me ver ali, ver minha mãe, minha madrasta, minha tia, minha irmã… E demorou para chegar na mídia brasileira, uns três dias, pelo menos. Nunca me senti tão invisível e impotente. Teve outro episódio nos EUA, em que uma idosa asiática foi agredida e filmaram o que aconteceu. Ela, baixinha, com o rosto machucado, chorando e falando aos policiais o que tinha acontecido. Eu via aquilo, chorava junto, queria estar do lado dela para abraçá-la, e pensava na minha batchan (avó). Podia ser ela ali.

Hoje, eu tenho medo de sair e pegar o vírus. Além disso, tenho medo de sair e ser xingada, atacada por causa da origem que carrego no portão de entrada do meu rosto. Carrego a marca da desinserção nos olhos, os quais, inclusive, encontram-se em alerta constante e nunca estiveram tão cansados de viver na minha cara.


[Luana Kaori Saito, estudante de Psicologia da UFSJ. Extensionista no OBESC-NESC. 14 de agosto de 2021].


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