Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.jpeg.
Era 26 de Abril. Já estávamos em Lockdown (ou a famosa quarentena). Estava cansada disso tudo... cansada de só ficar em casa, de só ver meus pais... de só ter poucas coisas para fazer no dia. Estava com saudade de sair... encontrar com meus amigos... de ver gente.
Esse sentimento de cansaço dessa quarentena me consumia, a ponto de no dia 4 de maio desistir de só ficar em casa e ir encontrar meus amigos. “É só nós 5” – um dizia; “todo mundo está bem” – o outro retrucava. Aceitei. Fomos ao supermercado (todos de máscara, já que não sabíamos quem estava andando do nosso lado), compramos vários tipos de bebidas e comidas. Ao chegar na casa da Alê, tiramos as máscaras, nos abraçamos e beijamos! “Para quê distanciamento? Estamos todos bem! Nos conhecíamos... não terá problema...” Foi um dos melhores dias da minha vida! Um dos dias que mais curti... como senti falta disso! Como senti falta de ver gente!
E um dos melhores dias da minha vida passou e os dias se sucederam... após cinco dias, comecei a sentir os sintomas... febre, cansaço, dor pelo corpo, dor de garganta e um pouco de falta de ar. Mandei mensagem aos meus amigos, perguntando se algum deles estava assim e todos negaram. Mas José me trouxe uma informação que me fez tremer a espinha: - “ah, gente... eu não contei... estive em Campinas, para um aniversário de um primo meu, e um tio positivou essa semana para Covid”.
Gelei.
Liguei para o hospital, mas eles só estavam testando pessoas mais velhas e que estavam mais graves e, eu, nos meus vinte e poucos anos, não era grupo de risco, não tinha nenhuma outra doença, era saudável...
Três dias depois, a febre persistia e a falta de ar só piorava. Foi aí que contei para os meus pais. Nos últimos cinco dias, havia ficado mais dentro do quarto, para manter distanciamento social deles... Mas, do jeito que estava, precisava de ajuda. Fui para o hospital e estava respirando muito rápido e não chegava muito oxigênio no meu sangue... Os médicos optaram por me internar... “CTI???” - Meus pais indagaram assustados. “Sim... o CTI será o melhor lugar para ela nesse momento” – disse o médico com uma expressão toda serena para mim...
Os dias se passaram e precisei ser intubada. Que sensação estranha essa de ter um tubo na garganta... os barulhos, a conversa dos profissionais de saúde, minha posição de barriga para baixo... tudo me chamava a atenção, mas não podia fazer nada... estava intubada, sedada e só o que podia fazer era lutar para continuar vivendo.
Em meio a todos esses barulhos, eu “senti” um silêncio... um silêncio estranho, calmante, mas que me fazia me distanciar... Cinco minutos após o início desse silêncio, veio a gritaria: “desprona ela... cadê o carrinho de parada?... traz as medicações... afastem-se que eu vou dar o choque...” e mais uma vez veio o silencio... e a calmaria se instalou.
Mas continuei ouvindo. Ouvi um dos psicólogos que trabalhava no CTI COVID19 ligar para a minha mãe e, em menos de 10 minutos, escutar os gritos e choros dos meus pais... Mas, tudo estava lacrado e eles não puderam se despedir. Mas eu os via... e via o que deixei para trás, por conta dessa vontade absurda de “ver gente” que tanto me consumiu e me levou para um lugar que eu nunca imaginei estar e ir para longe da minha família tão cedo...
Eu os amava demais e não pude me despedir, dizer que os amava, que amava estar com eles, que amava estar junto deles e que eles eram a coisa que mais importava nessa vida.
E mais uma vez eu senti a calmaria, o silêncio e latidos... Latidos? Sim... era a minha cachorrinha me acordando para brincar com ela. Como esse sonho foi vívido! A ponto de sentir os choques que levei em meu peito!
Às vezes, só damos valor às coisas quando perdemos. E esse sonho foi tão vívido que parece que tive uma segunda chance. Chance essa para entender que estamos em um momento singular de todas as nossas vidas, que nunca ser humano nenhum passou pelo que estamos passando e, sim, é normal se sentir angustiado, preso, com vontade de fazer vários “nadas”, mas vamos erguer nossa cabeça, manter a quarentena o máximo que pudermos, mantendo o distanciamento, para que não experimentemos essa sensação de calmaria tão cedo...
[Juliana Dâmaso, estudante de medicina da UFSJ, acadêmica voluntária no Programa Brasil conta comigo. 03 de Agosto de 2020]
Nossa que experiência de vida
,eu é as minha filhas amou esse texto traz pra todos nós um momento de reflexão parabéns Juliana um abraço de quem te admira: Selma Silva♡
Que essa experiência "árdua e sofrida" traga a nossas jovens e nossos jovens acadêmicos, o merecido exercício da Medicina. SILVIA Dâmaso. Mãe de Juliana Dâmaso