Linha sobre folha, de Maria Clara Mendes, acadêmica da UFSJ. Mais trabalhos podem ser encontrados em seu ateliê virtual: @piquiborda.
Mortes. Sobrecarga no sistema de saúde. Crise política. Crise econômica. Desamparo. Não podemos negar todos os impactos nocivos que a pandemia trouxe para nossas vidas. Ainda mais para nós, profissionais de saúde, que somos impelidos a lidar com essas questões diariamente, na tentativa de promover saúde e prevenir o adoecimento da população. Lidar com tudo isso tem sido um processo intenso e doloroso, mas ao mesmo foi possível ressignificar muita coisa.
Admito que passei alguns meses no escuro. Ia para o trabalho, cumpria com minhas obrigações, tentava não deixar transparecer nenhuma angústia ou medo, mas no fundo não estava nada bem. A rotina do meu serviço mudou bastante depois da pandemia, diferente de outras profissões que tiveram seu trabalho redobrado, a carga horária do meu serviço diminuiu. Passei a ficar mais tempo em casa, isolada, e isso despertou um sentimento que eu não esperava: a solidão.
Me ver ali, sozinha, sem poder me refugiar no excesso de trabalho, na correria do dia-a-dia, foi angustiante. Me deparei com questões que nunca havia refletido antes e, dentre elas, dores que vinham sendo negligenciadas por muito tempo. Comecei a pensar nas ações que eu reproduzia, de maneira irreflexiva, no meu cotidiano, nas prioridades que eu havia estabelecido para a minha vida e no sentido disso tudo.
Minha imagem no espelho mudou. Ganhei uns quilos, fui deixando a maquiagem de lado, adotei roupas mais largas. É que aos poucos eu fui deixando de ter uma preocupação tão grande com minha aparência física. Ver aquele novo rosto no espelho, o que para algumas pessoas seria facilmente interpretado como desleixo, para mim era potente. Era tão comum me arrumar para os outros preocupada com o que eles esperavam de mim. E agora, cá estou de cara limpa, em vários sentidos.
Enfrentar as minhas angústias e fraquezas foi um processo, por vezes, doloroso, mas extremamente necessário. Ficar distante de qualquer estímulo externo me permitiu voltar para mim mesma, pude me sentir, me escutar, me conhecer melhor. Reconheço que este não está sendo um ano perdido, mas um ano para reflexão. Quantos aprendizados tive nesses últimos 6 meses...
[Narrativa ficcionada por Juliana Dela-Sávia, estudante de psicologia da UFSJ. Integrante dos projetos PET-Saúde, OBESC e ABRASUS/ABRASUAS. 30 de setembro de 2020]
Como citar: DELA-SÁVIA, Juliana. Ressignificando a pandemia, publicado em 09 de outubro 2020. Disponível em: https://saudecoletiva.ufsj.edu.br/
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