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Sujeitos (a)live em tempos virtuais


Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.jpeg.


Desde que a pandemia assolou nosso país em março de 2020, as lives, ou como minha mãe recém integrada ao mundo virtual instagramático passou a chamar: as lifes, se tornaram o novo produto de consumo. Difícil encontrar alguém em nosso feed que não esteja matriculado em algum curso on-line, que não assista as lifes transmitidas pelas diversas redes sociais, canais do YouTube e podcasts, ou que não tenham feito a sua (a)live ainda.


Inclusive nós, analistas, estamos nos fazendo presentes também no modo (a)live, estamos vivos no corpo e na voz conduzindo nossas análises de forma virtual. Vidas transmitidas, conectadas, faladas pela telinha do celular. Quem diria que essa telinha usurparia por completo o contato físico e se tornaria o novo normal? Riríamos disso em uma mesa de bar há alguns meses e hoje, que saudade da mesa de bar.


Enquanto leio “Testo Junkie” me pego pensando sobre o termo cunhado pelo filósofo punk Paul B. Preciado denominado “era farmacopornográfica” - onde a excitação se faz tecnoproduzida. Não somos mais corpos vivos ou mortos. Somos corpos conectados e desconectados. A separação humano/maquina, natural/artificial, feminino/masculino, não fazem mais sentido em tal era. Somos sujeitos presencialmente virtuais. Sujeitos presenciais no corpo e na voz durante as lifes e sujeitos virtuais transmitidos com a ajuda das tecnologias de rede Wi-fi e 4/5G que ora estão ao nosso favor e ora contra. Ora ativos – conectados e falantes; e ora passivos - congelados à espera da (re)conexão.


Em meio a uma necropolítica intensificada por uma pandemia, nem todos os corpos poderão se fazer (a)live, ou melhor, serem dignos de uma life. São corpos que não importam para o macro, são corpos-abjetos, números para compor gráficos estatísticos. São corpos que possivelmente não aparecem em nosso feed, não são fotografados em preto e branco em correntes que correm as redes sociais e nem são choráveis quando viram estatística, afinal, como chorar por alguém sem life? Sem bio? Sem um @ de identificação?


Em tempos virtuais, a resistência está em encontrarmos sujeitos vivos que sobrevivam e subvertam as estatísticas, que se recusam a virar dados numéricos e aparecer em nossos stories sem desejo, sem corpo, sem life para que a gente finja não esquecer. Ou pelo menos, não esquecer até que as vinte e quatro horas tenham se passado e os stories desaparecido, alojado na seção “arquivo”. Mais um arquivo que podemos ou não relembrar daqui a um ano.


[Lucas Eduardo, Psicólogo Clínico. Belo Horizonte. Julho de 2020]

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