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Nesc

Só sei que rezei



Era novembro de 2020 e eu estava me sentindo mal há uma semana. Fingia que as dores e os incômodos iriam passar logo, não era preciso nenhum alarde para isso, eu ia ficar bem se me cuidasse, se descansasse por mais uns dias. Mas passaram sete e eu ainda não tinha melhorado. Aliás só piorava: não conseguia dormir direito, não conseguia me concentrar em nada, não conseguia ter paz. Resolvi então ir finalmente ao hospital. Na cidade estávamos com mais um aumento de casos de coronavírus nas últimas semanas, e eu dentro do carro munida de duas máscaras, cabelo preso, álcool em gel e documentos preparados, só pensava na possibilidade de ir me tratar de algo e voltar infectada.

Cheguei. Entrando pela ala de emergência percebo que não é possível ver a recepção de tanta gente aglomerada. Pego uma senha e junto de todos fico em pé, esperando minha vez. Percebi que tanto suspeitos de estarem com coronavírus, que eram a maioria, quanto os que estavam ali por outras razões médicas, como eu, estavam juntos amontoados tomando duas salas de espera. Eu, que enrolei o quanto pude para não ir dentro de um hospital durante uma pandemia, estava ali perto de várias pessoas tensas com a possibilidade de estarem com o vírus. Depois de um bom tempo, sou chamada e encaminhada para uma sala de espera. Muito nervosa procuro um local mais isolado para me sentar e esperar ser chamada pela médica. Álcool em gel nas mãos. Nos pulsos também. Não esqueça os documentos. E os braços da cadeira. Melhor passar no celular. Não pode deixar de passar álcool em gel no próprio recipiente de álcool em gel. Se alguém espirrar eu tento ficar longe, é isso. Muita gente espirra o tempo inteiro. Agora é aceitar, não tem o que fazer. Não tem pra onde fugir. Três horas de espera até ser chamada. Explico meus sintomas para a médica, que parece estar cansada, até comenta o quão mais agitado está nessas últimas semanas. Faço os exames depois de outra hora de espera. Fui medicada e colocada de novo no mesmo local de espera. Como estava com uma agulha pendurada no braço, enfaixado, tomo mais cuidado ainda.

Os seguranças da ala de medicação começam a conversar sobre como foi pra cada um ter ficado doente com o Covid-19. Um deles não sentiu muito e o outro quase foi internado. Há dois metros de mim um senhor, devia ter uns 65 anos, coloca a cabeça pra cima, tenta deitar na única cadeira que sobrou. Está com falta de ar. Começa a pedir socorro para um dos seguranças. Ninguém sabe o que fazer, todos ficam meio paralisados. Tem um homem morrendo na nossa frente sem ar e ninguém faz nada. Parece que por dez segundos todos do hospital se tomaram por um medo. Medo de ver alguém sofrendo assim, medo de pegar e acabar sofrendo assim também. Uma enfermeira chega. Não podemos fazer nada, o resultado do teste não saiu ainda, ela disse. Colocam ele deitado na ala de medicação, sem ajuda alguma de equipamentos ele tenta respirar melhor deitado. Seus olhos estão fechados e as mãos na cabeça. Consigo vê-lo porque estou de frente para a porta dessa ala. Sou chamada pela médica, ela me passa alguns antibióticos e vou para ala de medicação para tirar a agulha do braço. Lá não consigo parar de olhar para o senhor que passa mal. Comecei a chorar. Saio do hospital.

Voltando pra casa estou logicamente com medo de ter pego algo, mas ao mesmo tempo, estou mais abalada de ter presenciado essa cena. E isso foi só seis horas de um dia só em um hospital da cidade de São Paulo. Imagine por todos os hospitais do Brasil durante um ano inteiro. Não sei o nome daquele senhor, nem se ele ficou bem depois daquele dia, só sei que rezei por ele durante noites e noites.


[Mariana Nunes Estevez, São Paulo, SP, Estudante do 3º período de Psicologia na UFSJ

Escrito em 29/03/2021, Relato real].


Fotografia de Nataniel Kaoru, acadêmico da UFSJ. Mais fotografias podem ser encontradas em seu instagram @natakaoru.



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