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43. Trabalhar em rede

Atualizado: 10 de dez. de 2020


Fonte: Mônica de Ávila Todaro


Chegou o final de semana. Enquanto leio, penso: está tudo bem, pois ainda estou aqui. Aqui, onde? Em casa... Na rede... Mas meu corpo insiste em doer: grita, a seu modo, de saudade de corpos-outros. Nenhum osteopata pode tratar desse tipo de dor. Sinto falta dos corpos molhados, risonhos e falantes que vinham me visitar. Corpos-crianças-adultos-velhos. Corpos que, não sendo meus, me afetavam e traziam sentidos. Está tudo bem, penso novamente. Porém, não me satisfaço com os encontros virtuais. Esses corpos-avatares não podem ser abraçados. E é no abraço que me realizo. Meu companheiro diz: está tudo bem. Mas meus olhos lacrimejam diariamente e não há oftalmologista para a doença da saudade dos amigos. Meu filho diz: está tudo bem. Mas meus braços gritam, a seu modo, o desejo de alcançar outros (a)braços. Os encontros virtuais não permitem sentir os cheiros tão peculiares de cada amiga e amigo. Sinto falta dos aromas e dos sabores das comidas que traziam para compartilhar. Sequer posso elogiar suas roupas, pois não as vejo inteiras nas janelas das reuniões virtuais. Coisas sem importância que gosto tanto. Amigos-cabeça-tronco não são pessoas-corpos inteiros. Não são presença. Sequer estão aqui em casa, comigo. Está tudo bem, late minha cadela a seu modo. Ela segue pedindo carinho e biscoitos. Mudo o foco. Lavo a pouca louça, mas é o excesso de pratos e copos que me agrada. Lavo o banheiro, mas ele não foi usado depois do gim, da cerveja e da caipirinha compartilhadas. As toalhas não foram mais esquecidas. A fralda não teve que ser improvisada. As aulas de hidroginástica não aconteceram. Está tudo bem, penso. Exceto no meu coração. Quem sabe um cardiologista? Penso. Meu corpo-coração pede a rede, não a virtual, mas a de tecido que embala. Deito-me, novamente. Sinto o balanço e o vento. Vem a vertigem. Fecho os olhos. Vêm as lembranças. Quero sentir, olhar, cheirar, tocar e ouvir de perto: PESSOAS. Está tudo bem, penso, exceto no meu coração. Chega a Segunda-feira. Volto a trabalhar em rede, mas a virtual. E questiono o(s) sentido(s) de minha existência.


[Mônica de Ávila Todaro, Professora do DECED/ UFSJ, 08 de novembro de 2020]

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